Assis e o cow-boy que mata pelo riso

Um livro inédito de Fernando Assis Pacheco valerá sempre uma festa. Hoje é dia de festa
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Se tantas vezes vibrámos com os western-spaghetti, empenhadamente filmados por Sergio Leone e por uma multidão de seguidores, capazes de trazer as vastas planícies do Oeste para cenários andaluzes e afins, não se descobrem razões profundas para não apreciarmos a imaginação sem limites de um "western-açorda-de-coentros". Serve para reabrirmos a porta, entretanto fechada por alguns esquecimentos e desatenções, da obra de Fernando Assis Pacheco, jornalista, repórter, entrevistador e crítico, mas também prosador, poeta e humorista, sempre munido de uma intensidade sanguínea, sempre habilitado a tornar mais fácil o intrinsecamente difícil, sempre capaz de deixar correr - sem nunca ostentar - os seus conhecimentos e paixões, sempre colocado na delicada alternância entre "a gravitas e o riso, o decisivo e o desimportante, o vernáculo e as palavras-de-sete-e-quinhentos", como escreve Carlos Vaz Marques no prefácio deste livro. Inédito neste formato, foi publicado em pequenos capítulos, em folhetim, se preferirem, entre março e outubro de 1983, no semanário O Bisnau, uma das últimas tentativas periódicas que - sem êxito que perdurasse - nos tentou fazer rir, usando o sugestivo pseudónimo William Faulkingway. Não valerá a pena chorar sobre o humor derramado, antes gozar em pleno esta redescoberta.

Entramos no universo delirante de Bronco Angel, que nasceu após 14 meses de gestação, "um bocadinho prematuro ao contrário". Cedo percebemos que este frágil mas diligente "herói" assume como missão conduzir-nos em direcção ao absurdo. Educado a "porradões na cabeça", aos milhares e aplicados correctivamente em função dos seus desmandos, não alcança currículo académico assinalável: o melhor que consegue é aprender a letra B que, no seu parco entendimento, até é uma vogal, distinguindo-a perfeitamente de uma lagarta. Essas limitações cognitivas não o impedem de conquistar um papel preponderante numa terreola chamada Crow Junction, onde também habitam o xerife Jimmy Cicatriz, o escrivão Parker Quincas, o poderoso Búfalo Poia,o amigo Joãozinho Sitting Bull, e, em ocasiões decisivas, os índios Lukaspiris (Lucas Pires, para os mais desatentos, embora respondam pelos nomes de Pena Preta, Pena Branca, Pena Cinzenta, Pena Azul, Pena Fiel, Pena Macor, Pena Guião e Que Pena Que Eu Tenho) e um cavalo cúmplice com tendências francófonas. Não se pense, no entanto, que ficamos por aqui: pelas aventuras de Bronco Angel, passam J.R. Ewing, o magnate do petróleo que conhecemos em Dallas (série de TV), Ronald Reagan, uma série de anónimos políticos do Bloco Lateral (ou seja,o Bloco Central, mas visto de perfil), Billy The Kid, o actor Eugénio Salvador, Rod Stewart, Idi Amin Dada, Otto Glória, Joe Di Maggio e Arthur Miller, Frank Sinatra e o E.T. de Spielberg.

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