ASPORTUGUESAS. Taxas alfandegárias ameaçam futuro dos chinelos de cortiça
O projeto ASPORTUGUESAS, os chinelos de dedo com sola de cortiça nascidos de uma parceria da Kyaia com o grupo Amorim e em que já foram investidos "milhares de euros em investigação e desenvolvimento", tem a viabilidade em risco. As tiras de borracha que a empresa importa da China há já dois anos foram agora apreendidas pela Alfândega do Aeroporto do Porto, que exige o pagamento de uma taxa "três vezes superior à habitual". Fortunato Frederico, presidente da Kyaia, fala em "prepotência" e teme pelo "fracasso deste e de outros negócios".
Criadas em 2016, ASPORTUGUESAS são um projeto da Ecochic, uma parceria de Pedro Abrantes com a Amorim Cork Ventures que, no ano seguinte, se associou à Fortunato. O. Frederico & C.ª Lda., do grupo Kyaia, o maior fabricante nacional de calçado, para ter "mais hipóteses de crescer" e de "reforçar a sua presença nos mercados externos". Há dois anos que as tiras de borracha natural vêm sendo importadas continuamente da China. Agora, e para a preparação da nova coleção para a primavera-verão 2020, foram encomendados 7200 pares de tiras destinados, essencialmente, à produção de amostras.
"Quando nos preparávamos para recolher a mercadoria fomos informados da retenção da mesma na Alfândega do Aeroporto do Porto. A razão foi a alteração das 'regras do jogo' por parte da União Europeia que nos penalizou, sobrevalorizando excessivamente os bens que constam na importação. A Alfândega entendeu que o valor declarado se situava muito abaixo do valor estatístico médio da UE", pode ler-se na carta enviada pelo empresário nortenho a entidades várias, designadamente ao Ministério da Economia, à AICEP e Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS), à qual o DN/Dinheiro Vivo teve acesso.
Fortunato Frederico sublinha que os preços foram "previamente discutidos e acordados com os fornecedores, com base no valor de mercado, bem como os incoterms" (termos comerciais internacionais) e lembra que as tiras em causa são de borracha natural que, pelas suas características ecológicas e sustentáveis, "assume vantagem competitiva face a produtos concorrentes" - as concorrentes Havaianas, por exemplo, são mais baratas, mas são feitas em pvc - e insere-se, por isso, "na linha daquilo que tem vindo a ser defendido e apregoado nas políticas da própria União Europeia".
"Certo é que, com este novo procedimento alfandegário imposto pela UE, fica em causa a viabilidade de um projeto onde já foram investidos milhares de euros em I&D." Fortunato Frederico apela a que sejam revistos os procedimentos alfandegários adotados, "sob pena do fracasso de este e de outros negócios que eventualmente surjam".
Ao DN/Dinheiro Vivo, e sem nunca entrar em pormenores, o empresário nortenho lamenta a "ingerência" no negócio. "Andamos nós a negociar com o fabricante o preço das fitas, com a promessa de que lhe colocaremos uma encomenda de 300 ou 400 mil pares dentro de um ano para agora nos virem taxar o produto em três vezes mais do que o habitual? Nós pagamos os próprios moldes! Isto mata o projeto."
ASPORTUGUESAS são produzidas em Paredes de Coura, onde há já uma equipa de 12 pessoas afetas só à produção, sem contar com os comerciais envolvidos. "Todos os dias estamos a meter gente. Este é um projeto novo, mas que está com excelentes perspetivas de crescimento. Nos primeiros três meses do ano vendemos quase o dobro do ano passado e as perspetivas era de que em breve pudéssemos atingir os 600 mil pares ao ano. Isto é inadmissível, é brincar com o trabalho de pessoas sérias."
A APICCAPS diz estar a avaliar a situação, tendo pedido "informações adicionais" e contactado "as entidades competentes". Do governo, nem o Ministério da Economia nem o Ministério das Finanças (que tutela as alfândegas) quiseram comentar.