As sete vidas da Praça de Espanha
Foi a primeira casa do Jardim Zoológico, recebeu as primeiras corridas de carros no país, foi lá que se instalou inicialmente a Feira Popular, foi o palco da emissão inaugural de televisão em Portugal. De arrabalde de Lisboa a eixo central da cidade, a Praça de Espanha foi mudando de feição com o tempo, mas há mais de um século que se mantém, de um ou outro modo, como um espaço de fruição dos lisboetas. Também pelos jardins da Gulbenkian, ali instalados há 50 anos e que terão, no futuro, um prolongamento no Parque Urbano da praça.
Situada no limite de Lisboa, a Palhavã (nome de origem indeterminada) marcou, durante muito tempo, a transição entre a cidade e o mundo de hortas e quintas que se estendia depois por Benfica. Na segunda metade do século XVII é erigido por D. Luiz Lobo da Silveira, 2.º conde de Sarzedas, um palácio e uma quinta onde mais tarde vêm a morar os três filhos ilegítimos de D. João V - os "meninos da Palhavã". O palácio vai passando de mãos, até ser quase completamente destruído durante o cerco de Lisboa, em 1833, apanhado na linha de fogo entre as tropas liberais e absolutistas. As ruínas são compradas em 1863 pelos condes de Azambuja (daí o nome que ficou até hoje de Palácio Azambuja). Em 1918 o Palácio é adquirido pelo governo espanhol, que aí instala a sua embaixada. Atualmente, é a residência do embaixador de Espanha.
Do outro lado do que é hoje a António Augusto de Aguiar, José Maria Eugénio de Almeida - conselheiro de Estado, dono de um império empresarial - compra, em 1860, um palacete de traço barroco, ao qual vem a acrescentar umas cavalariças - o sui generis edifício que parece um castelo, visível a partir da entrada do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian. Já em meados do século XX o palácio acastelado é transformado em habitação, sensivelmente na mesma altura em que família Eugénio de Almeida vende à Gulbenkian (em 1957) seis sétimas partes dos terrenos que ali detinha, conhecidos como Parque de Santa Gertrudes - por onde passou muito do lazer dos lisboetas ao longo do século XX.
A começar pelo Jardim Zoológico e de Aclimatação de Lisboa, que se instalou no Parque de Santa Gertrudes em 1884, em terrenos cedidos pela viúva de José Eugénio de Almeida. Escrevia o DN, a 28 de maio, em antevisão da inauguração, marcada para esse dia: "O Parque está bem situado. Todos o conhecem por fora, pois que é grande o movimento nas estradas do Rego e de Palhavã, por onde se estende o parque. Mas o interior é que mui limitado número de pessoas tem visto. É lindíssimo". E descrevia que "as jaulas e gaiolas são em número superior a 50", que a fauna incluía desde ouriços-cacheiros a camelos e "feras", e que a entrada custava "100 réis" - com "preços dobrados nas quintas-feiras não santificadas". O Zoo ali ficou até 1893.
Com a saída do Zoo da Praça de Espanha, os mesmos terrenos vêm a ser ocupados pelo Velódromo de Palhavã. Inaugurado a 14 de maio de 1905, o recinto transforma-se num palco de concursos hípicos, mas também de provas de ciclismo e, mais tarde, das primeiras corridas de um desporto que despontava: o automobilismo. É um local de romaria da Lisboa chique e endinheirada. A 30 de julho de 1905, a revista Occidente dava conta da realização da prova anual da União Velocipédica Portuguesa, com a presença do rei D. Carlos. E descrevia, depois de afirmar que "Lisboa já tem um velódromo que rivaliza com os melhores da Europa", que "tem a pista revestida de cimento, com um perímetro de 333, 3 metros. As viragens estão estabelecidas de modo que permitem a velocidade de 80 km à hora. Tem tribunas nas viragens, além de tribuna real".
A 10 de junho de 1943 abre portas na Palhavã a Feira Popular, inaugurada com pompa pelo Presidente da República, Óscar Carmona. O DN escrevia, à época, que à inauguração "acorreram dezenas de milhares de pessoas" (algumas fontes apontam para 90 mil pessoas). Uma multidão que se "demorou a ver os cartazes do novo circo Broadway Circo"s; meteu o nariz na Praça de Touros; horrorizou-se perante a triste sina da mulher que é serrada todas as noites". Durante uma década, o "Luna Parque" animou as noites dos lisboetas. No último ano antes de se mudar para outras paragens, a Feira é palco de uma enchente, uma multidão que assiste à primeira emissão experimental da RTP, às 21h30 de 4 de setembro de 1956. A entrada custava um escudo e habilitava os visitantes ao sorteio de um aparelho de televisão.
Com o fim da Feira Popular na Palhavã começa a história que chega aos nossos dias. Em 1957 a Fundação Calouste Gulbenkian compra o Parque de Santa Gertrudes e inaugura, pouco mais de uma década depois (em 1969), o edifício sede, o Museu e o jardim, concebido pelos arquitetos paisagistas Gonçalo Ribeiro Telles (falecido o ano passado, e que dará nome ao novo Parque Urbano da Praça de Espanha) e Manuel de Azevedo Coutinho. Em 1979, o nome "Praça de Espanha" ganha força de topónimo, substituindo oficialmente o de Palhavã.
Ainda no século XIX, a Praça de Espana passa a ser ponte de confluência entre o que são hoje as avenidas de Berna, António Augusto de Aguiar e Columbano Bordalo Pinheiro. Mas é já nos anos 70 do século XX que ganha a configuração de eixo viário central na cidade, com a construção de dois importantes acessos - primeiro a Avenida Gulbenkian, depois a Avenida dos Combatentes.