"As pessoas estão cansadas. É importante haver eventos culturais e desportivos controlados"
Portugal está a conseguir manter a doença controlada um mês depois da abertura da quase totalidade dos setores económicos (19 abril). Na opinião de Raquel Duarte, a pneumologista que o governo voltou a convidar para elaborar uma proposta para o desconfinamento prolongado, este "sucesso" deve-se muito ao comportamento dos portugueses, que, "de uma forma geral, aderiram e cumpriram as medidas de proteção individual e restritivas".
Aliás, "à exceção de alguns exemplos que não podem ser replicados, o comportamento dos portugueses tem sido um dos pilares fundamentais nos resultados e a grande diferença quando nos comparamos com outros países".
A pneumologista do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e coordenadora da Unidade de Investigação da ARS Norte, que tem vindo a trabalhar em equipa com o matemático Óscar Felgueiras, também da ARS Norte, e com outros especialistas na avaliação da pandemia, assume mesmo que estamos a viver uma fase de fadiga pandémica e que algo tem de ser feito para aliviar este sentir na população.
"As pessoas estão muito cansadas e uma das prioridades deve ser libertá-las deste estado", sublinhando ser muito importante que "haja a nível local eventos culturais, desportivos e de lazer, orientados para vários públicos, de acordo com as idades, género, patamar socioeconómico, literacia, etc, mas que garantam que as pessoas saem de casa para interagir, socializar e se divertir num ambiente de segurança". Ou seja, em que haja "a garantia de que há um número limite de pessoas por metro quadrado".
Para a médica, "em termos sociais esta é a necessidade número um", relembrando, no entanto, que à medida que vão sendo dados passos a caminho de uma vida mais normal as responsabilidades das autoridades locais e de cada um enquanto pessoa também aumentam no que toca ao controlo da doença. "O exemplo do Sporting não pode nunca mais ser replicado. A responsabilidade para que todas as atividades sejam feitas em segurança passam a ser de todos nós, quer sejamos autoridades locais ou indivíduos".
Mas há coisas que se já se sabem, como, por exemplo, que nos locais exteriores há menor risco de transmissão. Por isso, a proposta de desconfinamento, apresentada ao governo, na quarta-feira à meia-noite, insiste que se deve continuar a privilegiar estes.
No que toca aos espaços interiores, há uma nova recomendação para todos os agentes económicos: maior investimento e avaliação dos sistemas de ventilação. Todos os que forem necessários reforçar devem fazê-lo, pois só assim será possível proteger os que frequentem esses espaços.
No entanto, em relação aos espaços no exterior e à realização de eventos públicos, embora aqui haja menos risco de contágio, a médica diz que deve continuar-se a manter as cautelas tidas até aqui. E explica: "A cautela advém do facto de a população mundial ainda não estar toda vacinada. Há uma grande parte do mundo que não está e enquanto houver vírus circulante existe um risco sério de surgimento de novas variantes". A pneumologista reforça: "Ninguém pode pensar que pelo facto de estar vacinado está isento de riscos. Portanto, as medidas de proteção que tivemos até aqui, como o uso de máscara, distanciamento, higienização das mãos, evitar o ajuntamento de pessoas, têm de ser mantidas por mais tempo." Ou seja, pormenoriza, o vírus continua a circular entre nós e se tais medidas não forem cumpridas corremos o risco de haver novas infeções e de a transmissão alastrar".
As recomendações que aqui referem constam também da proposta para a nova fase de desconfinamento, porque, sublinha, "embora estejamos com a doença mais controlada, todos os passos no sentido do levantamento de medidas restritivas têm de ser dados de forma faseada. O objetivo desta proposta, que ainda não está finalizada, é que se deem passos para a normalidade, com alguma liberdade, mas de forma a conseguirmos manter a doença controlada", acrescenta.
Isto significa, segundo Raquel Duarte, que "se antes era aconselhado a que as pessoas se mantivessem numa bolha familiar, agora é preciso que se mantenham também em bolhas sociais e laborais. É claro que há sempre um número de pessoas com quem temos de interagir e de socializar, mas este deve ser restrito. As bolhas são essenciais porque, embora possa haver algum relaxamento com as medidas de proteção, permitem manter a infeção mais contida". A explicação tem sido repetida pelos especialistas, mas nunca é demais relembrar.
A especialista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto está otimista e refere ao DN que Portugal está no bom caminho. "Temos uma estratégia assente em três pilares fundamentais e que se tem revelado fundamental no controlar da doença: vacinação, quanto mais rapidamente vacinarmos as pessoas menos doença grave, internamentos e mortalidade temos e mais conseguimos reduzir a transmissão; testagem em massa, que permite identificar precocemente os casos para que sejam aplicadas medidas que quebrem as cadeias de transmissão; e, por último, medidas de proteção individual. Estes três pilares permitem-nos estar preparados para agir rapidamente em caso de novas infeções".
No entanto, a população, vai ter de perceber que, "obviamente, o levantamento das medidas de restrição em vigor vai ser longo no tempo, porque não podemos olhar só para o nosso país. Temos de olhar para o que se passa à volta. A situação só estará controlada quando o mundo inteiro estiver controlado e, neste momento, há um risco de iniquidade em termos de acesso às vacinas por parte dos países mais pobres e isto tem implicações nos países mais desenvolvidos". Por agora, é possível começar a ter uma vida mais normal passo a passo, com ganhos sucessivos de algumas liberdades se todos formos responsáveis, mas a normalidade "ainda vai demorar".