"As notícias falsas vão ficar mais subtis e difíceis de detetar"
Por uma vez as sondagens acertaram. Foi uma surpresa, depois de Trump e do brexit? As notícias falsas difundidas na campanha não influenciaram os resultados...
É preciso distinguir entre fake news difundidas imprudentemente pelos media, poucas, das difundidas nas redes sociais. Um estudo estima que 25% das notícias políticas nas redes sociais são rumores ou notícias totalmente manipuladas. Por exemplo: um padre agredido por um magrebino, nunca aconteceu. Mas as fake news são a contrapartida do fenómeno da uniformização da informação. Julia Cagé mostrou, num livro recente, que 64% das notícias online eram simples corta-e-cola de comunicados ou de artigos já publicados.
Alguns jornais juntaram-se para combater o fenómeno. O Le Monde e o Libération têm departamentos especiais para checar factos. Isto teve algum efeito?
Os cidadãos são mais ou menos recetivos às fake news segundo elas vão ou não ao fio das suas crenças. Se estão no sentido de voto deles, acreditam mais facilmente. É só quando os chocam que começam a procurar a origem e validade. De toda a maneira, este é um combate que levará muitos anos: os media americanos chamam-lhe literacia mediática. Estas iniciativas recentes - embora meritórias - só terão frutos em 2020. E as fake news também vão tornar-se mais subtis e difíceis de detetar.
Não parece haver muita objetividade nos media no tratamento dos candidatos? O Libération, por exemplo, faz capas em que é claramente contra Marine Le Pen...
Depois do referendo de 2005 sobre o tratado europeu, os media franceses tornaram-se mais prudentes. Todos eram a favor do "sim", e descobriram que havia uma "outra França". Mais de 50% dos seus leitores tinham votado "não" e recusaram os seus conselhos de voto. Foi um verdadeiro choque para a imprensa francesa e agora há um tratamento mais equilibrado das opiniões. Mas isso não impede a tomada de posição, algumas entrincheiradas e muito corajosas. Há 18 meses, o jornal La Voix du Nord apelou claramente à frente republicana contra Marine Le Pen nas eleições regionais, ainda que 40% dos seus leitores votem FN, na região Hauts de France.
São mais os candidatos de direita a queixarem-se... Não pode ter um efeito contraproducente, agora?
Do lado de Fillon, a acusação ganhou importância porque ele perdeu sete pontos nas sondagens num mês. A questão da moral política sobrepôs-se aos programas - mas isso é positivo, para o futuro, já que levou todos os candidatos (exceto a FN) a incluir uma lei da moralização da vida política nos programas. Do lado de Marine Le Pen, ela e a sua sobrinha e os seus homens nunca foram entrevistados na primeira volta. Mas o tampão da elite bem-pensante que boicotava a FN saltou e o partido já não foi prejudicado, em 2017. Ao inverso, a interdição de certos media (Mediapart...) cobrirem as manifestações da FN, isso é um verdadeiro problema de liberdade de expressão.
Não se justifica essa falta de objetividade em relação à FN, os media como cão de guarda da democracia?
Um órgão de comunicação social pode afirmar-se contra uma ideologia e um partido tratando corretamente as suas posições, programa, a moralidade dos seus dirigentes. Veja-se a eleição de Trump e o desaire dos media americanos. Mais de 90% tomaram partido por Hillary Clinton e trataram com desprezo e arrogância os eleitores de Trump. Não conheciam o seu país e não compreenderam como era preciso cobrir esse "voto subterrâneo". Não se trata de ser não objetivo, mas de levar a sério a posição dos outros, e de, então, mostrar os riscos e consequências. É a base do trabalho jornalístico sério: não se contentar com slogans, ir ao terreno, compreender a diferença.
Como responde à acusação, normal entre os populistas como Le Pen e Trump, de que os media são parte da elite poderosa?
Há muitos jornalistas a cobrir há mais de 30 anos a política francesa e é um problema porque cria conivências e enviesamento na informação. Partilho o ponto de vista de Elise Luçet, diretora do Cash Investigation sobre as TV em França: muita conivência mata a informação. Acabamos de viver um debate importante sobre a moral na política, que será seguido por um debate sobre a moralidade dos jornalistas.
De que tipo?
Não estou a pensar em nenhum tipo de código, apenas discussão sobre boas práticas entre a comunidade jornalística - seguida de um consenso que evite as más práticas. Vai demorar tempo, mas a discussão não pode ser adiada: o movimento para a moralização da política será seguido de um movimento semelhante para os jornalistas.
Quais poderiam ser as consequências para França de uma vitória de Le Pen?
Não estou nesse estado de espírito! Existe ainda um limite para a FN - impossível passar os 50%. Em dezembro de 2015, nas duas regiões que lhes são mais favoráveis -, o Norte e a Provença-Côte d"Azur -, foram os candidatos da direita clássica que foram eleitos. A Frente Republicana não é uma expressão vã, mesmo se certos dirigentes (L. Wauquiez, E. Ciotti, Mélenchon, E. Todd...) estão contra ela.
Porque é tão perentório a afastar uma vitória Le Pen?
Eu estaria hesitante - como no caso do Reino Unido ou dos EUA - se a diferença entre os dois fosse de 52 / 48, por exemplo. Mas não é o caso: neste momento as sondagens mostram 60/ 40 ou 62/38. Há 15 anos, havia um fenómeno de voto escondido, porque as pessoas não tinham coragem de dizer que votavam na extrema-direita, mas isso já não acontece. Até um ataque terrorista não iria mudar os resultados - e esta última tentativa de inventar uma conta escondida de Macron num offshore nas Bahamas não parece estar a ser muito bem sucedida.
O que podemos esperar dos próximos anos?
Os resultados da primeira volta anunciam a paisagem política: um quadripartidarismo com a extrema-direita, a direita, o centro esquerda e a extrema-esquerda federada em Mélenchon. Na verdade, eu não acredito na queda da direita clássica e na sua absorção pelo partido de Marine Le Pen.
Porquê?
Do ponto de vista ideológico, a direita tradicional vai dividir-se entre Juppé (centro direita) e Wauquiez (direita - direita), mas politicamente eles vão partilhar os lugares do parlamento que será eleito e farão parte do mesmo grupo. A divisão pode acontecer em 2019, mas não antes. Este novo cenário será difícil de aceitar por alguns, mas isso vai forçar uma vida política de alianças e compromissos. André Malraux dizia, nos anos 60: "Entre os comunistas e nós, não há nada." E François Mitterrand teve, nos anos 80, a mesma vontade de hegemonia. Mas uma página virou-se. A França será certamente difícil de governar, mas haverá certamente uma via política interessante de observar pelos países europeus.
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