As nações só renascem pelo fogo

Grécia, Polónia, Japão e Egito, exemplos de países que insistem em existir e reinventar-se. <em>(Este ensaio foi publicado no suplemento 1864 dedicado à ideia de Renascer)</em>
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Nunca os correios madeirenses tinham recebido tantas cartas. Calcula-se um milhão, endereçadas da Polónia, para um visitante na Quinta Bettencourt em férias da política: Józef Pilsudski, o pai da nação, também tratado por dziadek (avôzinho) ou marszalek (marechal), Estávamos em março de 1931, e 19 era o dia do santo homónimo. Não puderam os polacos deixar de fazer chegar ao Funchal os parabéns ao homem que em 1918 devolvera à nação um Estado depois de mais de um século sem sinais de Polónia no mapa.

Chamemos-lhes homens providenciais ou heróis. A verdade é que com eles se torna mais fácil fazer renascer algo. Contudo, a regra das nações reerguidas é passar por um teste de fogo: na Polónia de Pilsudski foi uma guerra de sobrevivência contra os soviéticos quando já se dava o país por garantido no final dessa Grande Guerra que destruíra os impérios russo, alemão e austro-húngaro. No caso da Grécia, que em 1821 decidiu ressurgir como país depois de dois mil anos de subjugação a romanos e otomanos, o teste de fogo foi desafiar o sultão e nem sequer pestanejar quando este mandou enforcar o patriarca da Igreja Ortodoxa. Claro que havia homens providenciais envolvidos, como Yannis Capodistria, mas também heróis românticos, como o britânico Lord Byron, melhor com as palavras do que com as armas e que morreu pela causa.

E que dizer do Egito, que desde Nectanebo II, que reinou até 342 a.C., nunca mais teve um faraó, um imperador, um califa, um sultão, um quediva ou um rei que pudesse dizer ser filho do país, nem Cleópatra. Depois das primeiras 30 dinastias, as que deram Tutankhamon e Ram­sés, seguiram-se governantes persas, gregos, romanos, bizantinos, árabes, curdos, turcos e albaneses. Foi preciso o golpe militar de 1952, que derrubou uma dinastia de sangue albanês, para emergir um líder vindo do povo.

O fogo que fez renascer a nação japonesa foi o mais terrível: o atómico. Cem mil, 200 mil, ninguém sabe ao certo quantas mortes provocaram as bombas sobre Hiroxima e Nagasáqui em agosto de 1945. Mas foram estas vítimas que, de alguma forma, redimiram os sofrimentos causados pelo imperialismo japonês, com chineses e coreanos como principais povos subjugados. O mais bizarro no renascimento do Japão como nação pacifista no pós-1945 foi que resultou da ação de dois homens providenciais, nenhum deles o melhor dos heróis para os japoneses: o imperador Hirohito, que conseguiu passar de rosto do militarismo a símbolo da paz; e o general MacArthur, o ocupante americano que percebeu que depois do horror atómico os Estados Unidos teriam de salvaguardar um imperador tido como sagrado e, mesmo impondo uma Constituição, oferecer ao povo japonês as condições para se reerguer das cinzas.

Grécia 1821, Polónia 1918, Japão 1945, Egito 1952. Quatro renascimentos, todos diferentes, todos de nações bem-sucedidas.

No caso grego, as fronteiras foram-se alargando às custas do Império Otomano, mas em vésperas da Primeira Guerra Mundial ainda viviam dois milhões de gregos sob domínio turco. Durante a desagregação do Império Otomano, a Grécia tentou anexar Esmirna e o território envolvente mas foi derrotada pelas tropas de Atatürk e uma traumática troca de população, com critério religioso, foi o preço da paz. Contudo, em 1947, a Grécia conseguiu ainda alargar o seu território ao recuperar as ilhas do Dodecaneso. Hoje a Grécia pode até ter problemas económicos mas o seu legado cultural garante-lhe um prestígio único.

Quanto à Polónia, que viveu na Segunda Guerra Mundial a experiência de ser atacada tanto por nazis como por soviéticos, é hoje uma potência a ter em conta na Europa. É verdade que depois de 1945 viu as suas fronteiras alteradas e Moscovo impor a tutela até 1989, mas nada comparável ao que se passou no século XVIII quando as três águias negras (brasões russo, austríaco e prussiano) se juntaram contra a águia branca (brasão polaco). A forma como se libertou do comunismo, graças a Lech Walesa e a João Paulo II, reforçou a condição de bastião católico no mundo eslavo.

Já o Egito deve a Nasser a recuperação do seu prestígio de líder do mundo árabe. O general nacionalizou o canal de Suez em 1956 e isso bastou para compensar os fracassos, como a guerra de 1967 com Israel. Hoje os militares continuam a mandar no Cairo, depois da efémera Primavera Árabe, e o presidente Sissi aposta tudo em ser visto como um novo campeão do nacionalismo, um novo Nasser, como mostra o seu investimento no alargamento do Suez.

E o Japão? Terceira potência económica mundial, conseguiu uma recuperação fantástica. Se em 1946 a produção industrial era apenas 28 por cento da de antes do conflito, em 1951 tinha-a já igualado e em 1960 equivalia a 350 por cento. A tecnologia de ponta mantém-se marca do país, com o robô Asimo, da Honda, a simbolizar a vanguarda da empresa.

E há também que olhar para o Japão pelo lado do prestígio: foi em 2015 eleito pela 11ª primeira vez para o Conselho de Segurança da ONU, um recorde merecido para o país que tem sido sempre um grande financiador da organização, apesar de, como derrotado na Segunda Guerra Mundial, só em 1956 ter sido convidado a aderir.

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