As lágrimas do pai Steve Carell

Em "Beautiful Boy" vemos Steve Carell a chorar pelo filho que a droga leva, Timothée Chalamet. Dueto para dois atores prodigiosos vindo do Festival de Toronto com aclamação generalizada. Nos cinemas esta quinta-feira
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Um drama sobre dependência de drogas que consegue ter algo de novo e não ser piegas. A proeza é do belga Felix Van Groeningen, que chegou a Hollywood depois do sucesso de Ciclo Interrompido (em Portugal foi muito ignorado) e que aqui desmascara conceitos. O filme é a história real da relação do jornalista David Sheff com o seu filho Nic, um jovem universitário que se torna dependente de drogas e que quebra os laços familiares. Apesar de inúmeras tentativas, Nic acaba sempre por voltar ao consumo de drogas duras, arrastando-se para uma vida de marginalização completa. Um conto de pai e filho ou de como as expectativas sobre as projeções que os pais fazem dos "futuros radiosos" dos seus filhos podem sair goradas.

Filmado em diversos fusos temporais da dependência de Nic, Beautiful Boy assenta grande parte do seu charme na presença de Timothée Chalamet, um jovem ator que parece emular uma certa energia de atores como Leonardo DiCaprio ou James Dean. Há nele um perigo que se torna frágil e uma dor que é sempre real. Depois de Chama-me Pelo Teu Nome, de Luca Guadagnino, Chalamet transcende-se num papel que o coloca no pedestal dos dotados, sendo que é sempre amparado pelas deixas de Steve Carell, provavelmente o melhor ator americano a servir outros atores. A forma como se apaga aqui no papel deste pai suave e derrotado é outra das vitórias do trabalho de Groeningen.

O humanismo sofisticado do argumento inspirado nas memórias deste pai que nunca desistiu do filho é oferecido ao espetador sem grandes alaridos, como se fosse um processo de alívio emocional. Toca-nos de surdina, mesmo quando não cai em clichés de choradeiras desnecessárias. De alguma maneira, pertence à tradição do grande melodrama humanista sem ratoeiras sentimentais e onde o sistema do "tearjerker" é driblado. Aliás, qualquer filme sobre amor paternal incondicional tem de ser assim: límpido e íntegro. Acreditamos no flagelo, mas acreditamos ainda mais nestes laços de família.

A proeza desta proposta está também na lúcida experimentação estrutural da criação de atmosferas. Nada é agitado e a própria irrupção do elemento trágico dispensa sinais de partitura musical. A montagem vive antes da inserção de canções. Beautiful Boy tem canções como separadores e o desplante funciona sem apelo nem agravo. Quando chega a altura de ouvirmos John Lennon a cantar Beautiful Boy já estamos com o coração apertado. Esse jogo de montagem tem um efeito de desestabilização que seduz. Se calhar, perfeita para entrarmos neste pesadelo "normal" da América branca e abastada. Em breve, temos mãe e filho às voltas da dependência da droga. O filme chama-se O Ben está de Volta e a mãe é Julia Roberts e o filho Lucas Hedges. Trata-se igualmente de uma dor muito americana. O flagelo dos filhos perdidos pela droga na América está aí e inspira cada vez mais Hollywood.

Classificação: 3 estrelas

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