As cerejas são como as conversas

Estamos num grande ano de cerejas, sabor ao rubro, polpas equilibradas, maturações perfeitas, todas as grandes manchas de cerejal do país cantam a glória de uma grande colheita. Por isso é aproveitar e partir à descoberta das melhores, e se estiver sem ideias ou não tiver tempo a perder, damos-lhe a dica definitiva: Peraboa, perto da Covilhã, onde Sandrina Melfe organiza e explica tudo, na sua Quinta do Limite.
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Faz parte do código de honra e conduta do samurai, lavrado de resto no aforismo japonês que diz "dentre todas as flores, a flor de cerejeira e dentre todos os homens, o guerreiro". O Japão planta cerejeiras pelo mundo fora em jardins selecionados como sinal de amizade e aceitação pacífica. Trata-se normalmente da variante ornamental da "prunus" e no tempo da floração é gloriosa. Dura pouco e aí está o conteúdo estético quase todo; a vida é finita, os momentos são todos únicos. Temos um jardim de amizade Portugal Japão em Belém, junto ao Tejo, com árvores trazidas e plantadas por ordem do imperador, curiosamente a precisar de revisão, pois nunca conheceu floração alguma. O símbolo permanece sempre, e é bom saber que merecemos a mesma atenção e o carinho pacificador do país dos samurais.

A cerejeira precisa de frio e do inverno rigoroso para medrar, mesmo que se trate de neve. Quando desponta o fruto, é sempre um sinal feliz de que o ciclo recomeçou e vem aí a Primavera. O Japão publica todos os anos um mapa nacional de floração das suas cerejeiras e com isso estabelece também as datas dos muitos festejos em todo o país, alguns de contornos quase religiosos. Nós por cá temos um mapa mental de que não abdicamos e aguardamos com ansiedade a floração e o fruto dos nossos belos cerejais.

Resende é das primeiras zonas a ter cereja e faz acontecer rituais importantes de cariz popular desde o final de Abril quase até ao fim de Setembro. Entretanto surge em força Fundão, Covilhã e Belmonte, para nos alegrar com as carnudas e doces cerejas da Cova da Beira. A derradeira grande desponta acontece em Trás-os-Montes, em torno de Alfândega da Fé e mais para lá, no sentido da raia. Mas a sinfonia da cereja toca e canta por toda a parte, e as rápidas flores chamam ao romance e puxam ao amor. Quem tem produção está nesta altura ao rubro, na azáfama de vendas e distribuição da cereja, e finda a campanha, tradicionalmente o mundo cerejeiro entra em pausa e despede-se até ao ano seguinte.

Sandrina Melfe e o seu marido entenderam há pouco mais de quatro anos dar uma nova vida às dezenas de variedades em produção nos seus lindos cerejais. Quem se quiser deslocar não vai em vão, pode participar em atividades típicas da apanha da cereja, paga 5 euros + IVA e tem direito a um quilo de cerejas. A empresária tem programas desenhados para os diferentes gostos e a solução garante um contínuo de visitas e transumâncias humanas que dá outra vida ao cerejal. Vende-se também em locais selecionados, mas não muitos e são todos parceiros da Quinta do Limite. Quando falámos com Sandrina Melfe, estavam revendedores de Aveiro e Algarve a carregar para os seus pontos de venda.

Os açúcares presentes na polpa da cereja, juntamente com a água e polifenóis que caracterizam o fruto, configuram-na naturalmente para confitar. Trata-se de, por efeito do calor, recombinar entre si os componentes, produzindo um produto estável e resistente. A Cereja de São Julião DOP celebra e literalmente cristaliza justamente esse produto, enquanto a Cereja da Cova da Beira IGP fixa o fruto propriamente dito neste grande território onde nos encontramos.

A célebre sobremesa clafoutis nasceu a partir da cereja e mais não é que a dita cereja previamente marinada em licor e açúcar e depois coberta com uma custarda forte, da consistência que utilizamos por exemplo nos pastéis de nata. Ou seja, é uma sobremesa produzida ao contrário, já que leva primeiro a fruta e depois o creme. O nome tem origem no dialeto francês da Occitânia, onde "clafir" quer dizer preencher, ou encher. A popularidade da solução rapidamente se difundiu por todo o mundo, mas é à cereja que se deve. O assunto é para muitas conversas, e hoje celebramos as que têm cerejas, que são as melhores!

dnot@dn.pt

Sandrina Melfe
Zona Quintas da Serra - Peraboa
6200-590 Covilhã
Tel. 962 968 878
Email: quintadolimite@gmail.com

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