Arrimadas e Ayuso: rostos da divisão na direita espanhola
Depois de conseguir o melhor resultado eleitoral de sempre do Ciudadanos, vencendo as eleições catalãs de 2017, Inés Arrimadas deu o salto para a política nacional e assumiu a liderança do partido após o desaire de Albert Rivera nas legislativas de novembro de 2019. Já Isabel Díaz Ayuso tinha sido deputada em Madrid, mas era quase uma desconhecida quando o líder do Partido Popular, Pablo Casado, a lançou para presidente da Comunidade de Madrid, cargo que viria a assumir em agosto de 2019, apesar de o partido ter perdido as primeiras eleições autonómicas na capital em quase 25 anos. Hoje é um dos principais nomes dentro da oposição e do PP.
Arrimadas e Ayuso são os rostos da divisão à direita em Espanha e o futuro de ambas (sendo que no caso da líder do Ciudadanos também o do próprio partido) joga-se nas eleições antecipadas que o PP convocou em Madrid. Ayuso resolveu romper o pacto que tinha com o Ciudadanos - com quem governava na Comunidade de Madrid - depois de o partido de Arrimadas ter rompido o acordo semelhante que existia na região de Múrcia, aliando-se aos socialistas para avançar com uma moção de censura contra Fernando López Mira. Temendo ser vítima de uma jogada igual, Ayuso antecipou-se.
As eleições antecipadas foram marcadas para 4 de maio - caberá à justiça permitir que avancem, já que antes de ser publicada oficialmente a convocatória foram apresentadas duas moções de censura (uma do PSOE e outra do Más Madrid) que podem complicar o cenário. No escrutínio, Arrimadas e Ayuso jogam o seu futuro político, de duas maneiras muito diferentes.
O Ciudadanos ainda está a tentar recuperar do desaire eleitoral de novembro de 2019, no qual perdeu 47 deputados em relação aos conquistados seis meses antes. Os eleitores não perdoaram a posição de Albert Rivera, que recusou negociar qualquer acordo de governo com o socialista Pedro Sánchez, apesar de ambos terem uma maioria no Parlamento (levantando o veto a dias do fim do prazo). De ser a terceira força política no Congresso espanhol em abril, o Ciudadanos passou para a quinta posição, no pior resultado em legislativas.
Rivera acabaria por assumir a derrota e demitir-se, abrindo caminho a Inés Arrimadas, que foi eleita líder em março de 2020. A andaluza de 39 anos, que cresceu na Catalunha, tinha tido nas eleições autonómicas catalãs de dezembro de 2017 o melhor resultado de sempre para o partido. Mas, apesar de ter ganho, não conseguiu uma maioria suficiente para derrotar os independentistas. Em abril de 2019, tinha dado o salto para a política nacional, sendo eleita deputada no Congresso espanhol.
Mas a nova liderança não travou os maus resultados do Ciudadanos: na Galiza não conseguiram eleger ninguém, no País Basco entraram no Parlamento graças a uma aliança com o PP, na Catalunha passaram de primeira força política a sétima (perderam 30 representantes). Na base dos problemas, a crise de identidade: o partido que nascera na Catalunha como antítese ao movimento independentista apresenta-se como liberal.
Mas será de centro-direita ou de centro-esquerda? Com quem está disponível para fazer acordos? Em 2016 tinha feito um com o PSOE, mas agora há quem defenda uma união com o PP. Arrimadas defende que o partido deve servir como contrapeso às outras formações políticas, facilitando os acordos com ambos os lados.
A decisão de Ayuso de rasgar o acordo em Madrid terá apanhado Arrimadas de surpresa, uma vez que garantiu que a rutura da aliança com o PP em Múrcia era um caso específico - fruto de meses de tensão a envolver os dois sócios. O problema é que essa tensão também existe em Madrid e diante da possibilidade de o PP acabar por perder a Comunidade "na secretaria", Ayuso optou por voltar às urnas. Arrimadas, que tem a esperança de conseguir fazer renascer o partido como uma fénix, descobrirá em Madrid se a sua estratégia para o Ciudadanos pode resultar. Sendo que há sondagens que deixam o partido sem representação.
No meio desta luta à direita (depois de meses em que o que dominava as notícias eram as querelas à esquerda entre os sócios do governo PSOE e Unidas Podemos), os socialistas querem aproveitar e incentivam Arrimadas a romper outras alianças com o PP.
A aposta da presidente da Comunidade de Madrid, de 42 anos, é ganhar nas urnas, algo que não conseguiu em 2019 (os socialistas foram os mais votados) e com uma maioria absoluta que impeça o PP de ficar dependente de outros partidos. O problema é que esse cenário parece distante nas sondagens, que apesar de lhe darem a vitória, a deixam à mercê do Vox, a terceira força política na região da capital.
O partido de Santiago Abascal já estendeu a mão a Ayuso, mas uma eventual aliança com a extrema-direita sairá cara - desta vez, o Vox não ficaria pelo apoio, como tem feito nas alianças regionais entre Ciudadanos e PP, e quereria entrar numa coligação. No ano passado, o líder dos populares, Pablo Casado, deixou claro a rutura com Abascal, tendo noção que este, para continuar a crescer, acabará por ir atrás do seu eleitorado.
As eleições serão um desafio também para Ayuso, que há dois anos era simplesmente uma deputada regional que tinha sido responsável pelas redes sociais da ex-presidente Esperanza Aguirre (incluindo a conta de Twitter do seu cão, Pecas). À frente da Comunidade de Madrid transformou-se contudo numa das principais vozes da oposição ao próprio primeiro-ministro, Pedro Sánchez, em plena pandemia de covid-19, ganhando protagonismo no país e dentro do próprio PP. Agora que já não é uma estranha, as eleições podem contribuir para aumentar o seu perfil. E o desejo de voos mais altos - apesar de dever a Casado a sua grande oportunidade. Ficar dependente do Vox poderá contudo manchar-lhe o currículo para o futuro.
susana.f.salvador@dn.pt