Arqueólogos dizem que Estado não tem condições para cumprir lei na área subaquática

"O Estado português não está em condições de assegurar a proteção desse património [aquático e subaquático]", afirmou José Morais Arnaud
Publicado a
Atualizado a

O presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP) disse esta terça-feira que o espólio arqueológico aquático e subaquático "corre riscos" e que "o Estado português não tem condições para cumprir o que estipula a lei".

José Morais Arnaud falava à agência Lusa à entrada da comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, onde foi ouvido, juntamente com o arqueólogo Luís Raposo, presidente do ICOM Europa, e na qual reiterou aos deputados que a investigação na área da arqueologia aquática e subaquática "está completamente parada".

"O Estado português não está em condições de assegurar a proteção desse património [aquático e subaquático] e de cumprir, minimamente, a lei no que se refere aos achados subaquáticos", sentenciou o presidente da AAP.

O responsável referiu existirem navios históricos no rio Tejo, na zona do Bugio, próximo de Lisboa, que estão à mercê de caçadores de tesouros, sem que haja meios para fazer "uma investigação digna". Este alerta foi também dado aos deputados.

"Há centenas de quilómetros de costa que estão pejados de material arqueológico, inclusive, aqui no [rio] Tejo, há especialistas que nos dizem que há navios completos frente ao Bugio, a meia dúzia de metros de profundidade", afirmou.

Em declarações à Lusa, que repetiu aos parlamentares, o arqueólogo disse que não existem meios operacionais para atuar, "pois os barcos estão completamente parados", e há falta de meios humanos que permitam mergulhar.

"Nada se sabe. A frota continua completamente paralisada, as pessoas são três [no Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática], e o mergulho implica uma equipa e barco de apoio", referiu.

Questionado pela Lusa sobre o futuro do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS), José Morais Arnaud afirmou: "Ainda estamos no plano das intenções, que serão certamente boas, mas em termos práticos continuamos a não ver o lançamento do concurso para as obras [de instalação do CNANS], em Xabregas, ao contrário do que tinha sido prometido".

O lançamento do concurso tinha sido anunciado pelo ministro da Cultura para outubro, recordou o arqueólogo, que referiu ainda que "o reforço do quadro de pessoal se limitou apenas à reentrada de um arqueólogo que estava a fazer o doutoramento e que voltou ao serviço".

"Continua a haver [no CNANS] apenas três arqueólogos, um técnico de conservação e restauro e três auxiliares, o que é manifestamente insuficiente, [mesmo] para gerir o espólio, que está em condições precárias no Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL)", assegurou.

Quando foi criado, há cerca de 20 anos, o quadro de pessoal do CNANS comportava cerca de 20 funcionários.

O espólio arqueológico aquático e subaquático à guarda do CNANS, composto por cerca de 14.000 peças, corre rsicos, e os 60 tanques em que são conservadas as peças têm de ser enchidos "à mão, pois o sistema automático, existente no MARL [em Loures] foi desligado".

Na comissão parlamentar, o deputado socialista Hugo Carvalho disse que o Governo inscreveu as obras da adaptação do espaço em Xabregas para albergar o CNANS, orçadas em 1,4 milhões de euros, numa candidatura funcional, em que 80% é de fundos europeus, e 20% do Governo português.

O arqueólogo disse que não viu inscrito na proposta de Orçamento do Estado para 2018 as obras para a instalação do centro, em Xabregas, e que "o único aumento" que viu, foi para a requalificação do Forte de Peniche, antiga cadeia política, da ditadura do Estado Novo.

Na comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, Arnaud ouviu o apoio dos diferentes partidos.

O deputado Jorge Campos, do Bloco de Esquerda, afirmou partilhar das preocupações enunciadas pela AAP e criticou "a falta de políticas públicas da cultura para áreas tão prioritárias" como a arqueologia aquática e subaquática, "tão ligada à história do país".

Teresa Caeiro, do CDS-PP, criticou a "falta de planeamento e horizonte estratégico" do Governo, que vai questionar sobre a candidatura para as obras em Xabregas, intenção do executivo que os deputados da oposição afirmaram desconhecer.

A deputada centrista afirmou que "este é o terceiro orçamento do Estado para a Cultura do atual Governo e é claramente uma calamidade orçamental".

Ana Mesquita, do PCP, partido que solicitou a ida ao parlamento da AAP, disse que o "subinvestimento na cultura tem de parar" e realçou o "desinvestimento e a balbúrdia na área do património, nos últimos anos, que se estão a pagar muito caro".

A deputada comunista exigiu a criação de um Plano Nacional de Emergência do Património Cultural - que o grupo parlamentar comunista levou ao parlamento, em forma de proposta de alteração à proposta do Orçamento - e a contratação de mais pessoal para a Direção-Geral do Património Cultural, cujos quadros estão "envelhecidos", preocupação partilhada por Jorge Campos que adiantou que a média etária é de 55 anos.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt