A Revista da Armada (RA) pediu "a devolução ou eventual eliminação" da sua edição de novembro, por conter um artigo sobre a missão realizada pelo submarino Arpão durante o verão passado no Mediterrâneo e que levou à demissão do comandante. Segundo as fontes do DN, os responsáveis entenderam que o texto anulado "revelava aspetos classificados das capacidades e das táticas" desses navios ao descrever os locais onde esteve e as ações desenvolvidas..Na nota inserida na nova edição do n.º 574, o diretor da RA informou os destinatários - governantes, Forças Armadas, militares, adidos de Defesa estrangeiros, jornalistas - que a revista substituída apresentava "uma incorreção num dos artigos" (que o DN publica com cortes, por decisão e critério do jornal). Sem identificar qual o texto, o contra-almirante Valente dos Santos acrescentou: "Lamentando tal facto, estamos desta forma a enviar um exemplar correto da referida revista, solicitando aos leitores a devolução ou eventual eliminação dos exemplares com erro, por forma a evitar confusões futuras.".Nas duas páginas donde foi retirado o artigo sobre o Arpão está agora um relativo aos 25 anos do navio reabastecedor Bérrio. Quanto ao texto anulado, sob o título "Um submarino, dois desafios" e que teve chamada de capa na edição original, foi escrito com a "colaboração do comando" do Arpão - leia-se o seu comandante..Contudo, na "nova" revista apareceu um artigo com o mesmo título mas cerca de um sexto do tamanho do original e agora com a "colaboração do Comando Naval" - leia-se o comandante naval, vice-almirante Gouveia e Melo (também submarinista) - que termina assim: "Como verdadeiro serviço sigiloso e silencioso, cumpre-nos remetermo-nos às nossas tarefas em terra, após a chegada, como se tudo continuasse sem perturbações, como o submarino fez em missão, não dando conhecimento da sua existência, mantendo-nos fiéis ao lema "Silenciosamente ao serviço de Portugal"..Artigo justificou processo.A publicação do artigo escrito pelo comandante Henriques Frade não foi um dos fatores que justificou a sua demissão em setembro, a menos de dois meses do fim da comissão à frente do Arpão, uma vez que só houve consciência disso após a distribuição dos 4000 exemplares daquele número da RA..Contudo, a Marinha instaurou um processo de averiguações àquele oficial por causa disso: "O autor do artigo, por sua iniciativa, enviou diretamente para a redação da Revista da Armada o artigo indicado, não cumprindo com as normas e procedimentos previstos para aprovação" prévia, explicou ao DN o porta-voz do ramo, comandante Pereira da Fonseca..Esse circuito de validação prévia implicava o envio do artigo ao comando da esquadrilha de submarinos e daqui para o Comando Naval. Só depois podia seguir para a RA, cujo diretor levou a edição a imprimir (como é regra por se tratar do órgão oficial da Marinha) ao gabinete do chefe do Estado-Maior para uma última revisão - onde também ninguém reparou por se assumir que o artigo sobre o Arpão tinha passado pelos filtros habituais..Aquela edição "foi republicada" porque o artigo sobre o Arpão "continha informação desadequada ao tipo de revista", adiantou Pereira da Fonseca, escusando-se a clarificar se estavam em causa dados classificados ou apenas passíveis de gerar algum incidente diplomático..Daqui decorre que as razões que justificaram a demissão de Henriques Frade não foram suficientemente fortes para a Marinha lhe instaurar um processo de averiguações. Note-se que, como o DN noticiou há uma semana, aquela exoneração antecipada resultou de o oficial ter tomado decisões sem autorização para tal ou ter transmitido que o iria fazer - as quais puseram em risco a segurança do submarino e a vida dos 33 militares da guarnição, segundo diferentes fontes..Uma possível explicação para isso reside na interpretação - e respetiva gravidade - que a Marinha terá dado às decisões de Henriques Frade e que, segundo a Voz da Abita (bastidores da Marinha), terão envolvido o Arpão e navios russos. Perante o secretismo que rodeia o caso, fica por saber se o entendimento da Marinha divergiu da posição assumida pelo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e comandante operacional, almirante Silva Ribeiro, que diferentes fontes garantiram ao DN só ter sabido a posteriori do que tinha sido feito durante a missão e por isso exigiu explicações..Segundo algumas fontes ouvidas pelo DN, o comandante Henriques Frade terá aproveitado a missão para realizar mais um dos rotineiros exercícios de treino operacional da guarnição do submarino, levando-o ao limite de testar o emprego de armas numa situação real - o que, a confirmar-se que o alvo eram navios russos, também teria óbvias implicações políticas se os russos tivessem reagido perante um submarino ao serviço da NATO..Note-se que, segundo a imprensa internacional e depois confirmado pela própria NATO no final de agosto, havia vários navios de guerra russos a circular no Mediterrâneo - onde Moscovo tem uma base naval (na Síria) - durante o período de dois meses da missão do submarino português, a operar sob as bandeiras da NATO e da UE em simultâneo durante quase todo esse tempo..O DN tentou ouvir o comandante Henriques Frade, colocado desde outubro de 2018 no Estado-Maior-General das Forças Armadas, mas a Marinha não o autorizou a falar..Exemplo dos exercícios.Entre outros aspetos sensíveis que a Marinha terá considerado "desadequados" estava a identificação de locais e países, a referência a alvos específicos de recolha e análise de informação ou, por exemplo, à forma como os comunicava.."Não é suposto dizer onde esteve e referir alguns países", observou uma das fontes, acrescentando: "Por isso é que nos exercícios militares se inventam nomes para não identificar os adversários" das forças portuguesas, como, no caso do exercício Contex/Phibex noticiado pela RA em agosto de 2015, o cenário identificou três países fronteiriços como Lustonia, Nicelenia e Algarbenia..No caso da missão do Arpão no Mediterrâneo, a Operação Sea Guardian (NATO) e a Operação Sophia (UE), a primeira envolve apoiar a consciência da situação marítima, defender a liberdade de navegação, realizar tarefas de interdição, contraterrorismo marítimo, combater a proliferação de armas de destruição maciça e proteger infraestruturas críticas - enquanto a europeia visa contribuir para interromper o negócio das redes de contrabando e tráfico de pessoas, bem como impedir a perda de vidas humanas no mar.