Arouca: renascer junto ao rio indomável
As notícias que nos chegam de Arouca assemelham-se mais aos danos e baixas dos relatórios de tempo de guerra do que ao que se poderia esperar do mês em que se concentra o lazer e o repouso, que permitem recuperar as forças para um novo ano de trabalho. Os incêndios florestais devastaram um concelho que se tem notabilizado pela capacidade de valorizar a beleza paisagística do seu território, transformando-o em verdadeiro capital natural ao serviço do desenvolvimento sustentável municipal.
Cerca de 80% dos 329 km2 que constituem a área total do concelho, são ocupados por largas manchas florestais, dominadas por espécies de crescimento rápido, em especial eucalipto e pinheiro-bravo. Já em 2005, 90 km2 do território concelhio foi devorado pelas chamas. Desta vez, a voragem incendiária iniciada no passado dia 8 destruiria 170 km2, correspondendo a 58% da área florestal. No património ardido inclui-se também cerca de 47% dos territórios concelhios classificados de interesse ecológico, integrados na Rede Natura 2000. O biótopo da serra do Montemuro foi poupado, mas o mesmo não aconteceu nos biótopos da serra da Freita e do Vale do Paiva. Muitos equipamentos e alfaias agrícolas, apiários, palheiros e currais, entre outros edifícios, foram também calcinados pelo fogo, num prejuízo que o presidente do município, José Artur Neves, e a vereadora do Turismo, Margarida Belém, estimaram em 120 milhões de euros.
Arouca representa a situação paradoxal, no plano político e administrativo, em que muitas regiões do país são forçadas a viver. A esmagadora maioria dos concelhos do Norte e do Centro, precisamente aqueles onde se concentra a maioria das monoculturas de eucalipto e pinheiro-bravo que alimentam os incêndios de grandes proporções, não possui a informação cadastral sobre a propriedade rústica, que seria fundamental para tomar decisões em matéria de ordenamento do território. Legalmente, essa tarefa cabe ao governo central, mais concreta- mente à Direção-Geral do Território (Ministério do Ambiente), e tem-se arrastado há décadas como um exercício ocioso, quando se trata de uma medida urgente para um país que queira assumir plena soberania sobre o seu território. Os municípios acabam por sofrer as consequências, sem poder interferir na correção das causas. Sem cadastro, as propriedades abandonadas por milhares de proprietários absentistas, ou já há muito falecidos, continuarão a ser o foco evidente para o desencadear dos incêndios estivais, com danos incomportáveis para aqueles que ficaram no mundo rural, e que assistem ao devorar do seu labor, como se a incompetência política fosse tão natural como as estações do ano.
Um Símbolo de resiliência
Arouca tem ganho, merecidamente, a atenção internacional por uma notável iniciativa, concretizada em 2015: a inauguração dos Passadiços do Paiva. Trata-se de uma elegante obra de engenharia e arquitetura paisagista, que serpenteia ao longo de mais de 8 km do curso do rio Paiva, um dos mais pristinos do país. Com um investimento de apenas 1,8 milhões de euros, o município de Arouca não só prestou um enorme serviço ao país, resgatando uma paisagem natural belíssima da usura do lóbi do betão (veja-se o mundo de possibilidades que foi submerso com a barragem do Tua), como criou um intenso polo de atração turística, que tem contribuído para reanimar o tecido económico local, fixando na região as receitas geradas pela visitação de quem quer apreciar, sem tocar ou perturbar, uma paisagem de grande biodiversidade, marcada pela vitalidade de um rio que corre em liberdade.
Arouca tem baseado a sua política municipal numa aliança entre património ecológico e património geológico. O museu das tribolites, as pedras parideiras, a queda de água da Mizarela, ou a serra da Freita, fazem parte da iconografia de um território que conquistou o privilégio de pertencer ao restrito clube da rede global dos Geoparques da UNESCO. Mas os Passadiços do Paiva são a marca por excelência da capacidade de não sucumbir aos golpes, por mais duros que sejam. Já em 2015, foram parcialmente atingidos por um incêndio. Reabriram com mais vigor, em fevereiro deste ano. Voltaram a ser atingidos, parcialmente, pela devastação deste mês de agosto. Mais uma vez será preciso recuperar, consolidar, reconstruir. Num gesto que fala por si, o município já reabriu o troço dos Passadiços entre Espiunca e a Praia Fluvial do Vau. São quatro quilómetros de deslumbrante paisagem poupada pelas chamas, uma espécie de oásis no meio das cinzas. Um sinal de quem não desiste de lutar por fazer do sonho um projeto que possa ser partilhado por todos.