Aqui, Kiev. "Fico até à vitória"
Parecem um exército fandango, não há duas fardas iguais, nada bate certo com nada, uns usam colete outros não. Alguns tapam a cara com passa-montanhas, o mais "pintas" do bairro usa uns óculos escuros, armação azul, lentes azuladas, todos o gozam pela escolha do adereço. Aparecem do nada em vários carros. Um deles, uma carrinha de matrícula da Estónia, tem um graffiti: "Glória à Ucrânia", escrito em cor-de-rosa. Outro dos carros de uma das inúmeras brigadas de defesa civil de Vyshhorod, cidade a 10 quilómetros na direção nordeste da capital, é de uma loja de eletrodomésticos. Um terceiro acaba de ser resgatado da sucata e arrasta-se, barulhento, enferrujado, mas a andar.
A dúzia de homens voluntários que defendem a zona residencial onde vivem não podia ser mais heterogénea. Neste caso, como em muitos lugares onde isso é possível, há um polícia que comanda esta linha de defesa. Ao contrário do que normalmente acontece nos postos de controlo, dentro e nos acessos à capital, o grupo está divertido, descontraído, ri alto e troca piadas. Não só se deixam fotografar como agradecem a fotografia. Fazem pose.
Não muito longe, ouvem-se disparos. "No problema." O som é da defesa antiaérea ucraniana, portanto está tudo controlado. "São apenas pessoas normais", explica Andrii, de 40 anos, que já tem o uniforme do Exército completo, impecável. Explica-nos que se alistou, mas o Exército disse que ainda não precisava dele. Quer ir para as patrulhas de defesa civil, mas ainda não tem arma. Por isso é voluntário, ajuda como pode, mas está desejoso de entrar na defesa civil, a "segunda linha" de proteção. Nunca disparou uma arma, teve algum treino há 20 anos, mas diz estar pronto para o fazer.
Na fila de espera para a defesa civil está também Irina, uma mulher de 44 anos, colega de Andrii. Mesmo sem uniforme, comporta-se naturalmente como um sargento. Dá ordens, põe a máquina a funcionar, conhece cada palmo da zona onde vive. Nos primeiros dias de guerra, há duas semanas, chocou com o carro contra um check point. O Exército arranjou-lhe outro. "Ira" não podia estar parada, é demasiado valiosa para a operação da resistência civil ucraniana. Quando chegarem as credenciais que já pediu, estará também ela nos postos de controlo, na patrulha, na defesa armada do território. "Um a um, disparo sobre eles um a um." Eles são os russos, ela uma ucraniana decidida a não desistir. Parece uma padeira de Aljubarrota de Vyshhorod.
Anna é a mais reservada do grupo dos três que trabalham numa produtora de filmes. Fala pouco, está malvestida para a tarefa, mal agasalhada, treme de frio: "Hoje estava a contar ficar em casa, mas tive de vir." Os três acabam de deixar medicamentos e material médico no hospital da cidade. Recolhem bens de todo o género e levam-nos onde fazem falta. Tem 21 anos, estuda cinema. Kiev está à espera de um ataque, muitos consideram deixar a capital. E ela? Vai-se embora, entretanto? Responde de imediato "não", não vai a lugar nenhum, ficará na cidade, "até à nossa vitória".