Aquecimento acelerado nos círculos polares

Temperatura no Ártico subiu três vezes e na Antártida duas vezes mais do que no resto do planeta. Há um icebergue novo e gigante.
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Tem nome de autoestrada e 170 quilómetros de comprimento, mas no A-76 não circulam automóveis. É o maior icebergue do mundo na atualidade, consumada na quarta-feira a separação da plataforma de Ronne, iniciada no dia 13. O bloco de gelo de 4320 quilómetros quadrados está à deriva no mar de Weddell, na Antártida. Se o planeta aqueceu mais de 1°C desde a era pré-industrial, devido ao aumento das emissões de gases com efeito de estufa causadas pelas atividades humanas, no continente gelado a temperatura aqueceu duas vezes mais depressa. No polo oposto, o cenário é mais grave: desde 1971 que o aquecimento do Ártico se dá a um ritmo três vezes superior ao do planeta.

A informação foi revelada na cimeira do Ártico, que decorreu na quarta e quinta-feira na Islândia, com base num relatório do Programa de Monitorização e Avaliação do Ártico sobre as alterações climáticas e surpreendeu pela magnitude do aquecimento. "Uma atualização importante é que o aumento médio anual da superfície do Ártico (terra e oceano) entre 1971 e 2019 foi três vezes maior do que o aumento da média global durante o mesmo período. Isto é mais do que indicado em avaliações anteriores", dizem os autores.

Em menos de meio século, a temperatura média anual na região subiu 3,1°C quando o planeta estava a aquecer ao mesmo tempo em 1°C. O relatório anterior, divulgado em 2019, indicava que o aquecimento no Ártico atingiu "mais do dobro da média global".

O documento também explica que as probabilidades do bloco de gelo desaparecer por completo durante o verão são dez vezes maiores se a temperatura da Terra subir 2°C em vez de 1,5°C, os objetivos estabelecidos pelo Acordo de Paris e que as previsões apontam para que no verão de 2050 não haverá gelo. "Na maioria dos cenários de emissões, a grande maioria dos modelos (...) sugerem que em 2050 o Ártico estará praticamente sem gelo pela primeira vez em setembro", o mês em que o gelo está normalmente no seu ponto mais baixo, acrescentaram os autores.

Segundo as projeções citadas no relatório, as temperaturas médias do Ártico irão aumentar entre 3,3°C e 10°C acima da sua média de 1985-2014 até ao final do século, com o valor exato a depender da quantidade de emissões futuras de gases com efeito de estufa.

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Ao contrário da anterior cimeira do Conselho do Ártico, na qual o secretário de Estado dos EUA Mike Pompeo bloqueou a declaração conjunta por abordar as alterações climáticas, desta vez EUA, Rússia, Dinamarca, Canadá, Noruega, Finlândia, Suécia e Islândia comprometeram-se a lutar para minimizar os efeitos da ação humana.

Do outro lado do planeta, algumas plataformas de gelo ao longo da Antártida situadas mais longe do Polo Sul sofreram uma rápida desintegração nos últimos anos, um fenómeno que os cientistas acreditam estar relacionado com o aquecimento global. No entanto, o desprendimento do bloco de 170 quilómetros de comprimento por 25 de largura, apesar da aceleração do aquecimento na região, é visto como um processo natural.

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Segundo Ted Scambos, investigador de glaciares da Universidade do Colorado, EUA, a formação de icebergues a partir das plataformas de gelo da Antártida faz parte de um ciclo natural e não está diretamente ligado às alterações climáticas. Scambos disse à Reuters que as plataformas Ronne e Ross, "comportaram-se de uma forma estável, quase periódica". O cientista prevê que o A-76 se dividirá em breve em duas ou três partes e como o gelo já flutuava no mar antes de se desprender da costa, o seu desagregamento não eleva o nível do oceano.

O anterior maior icebergue, A23-a, separou-se em 1986 da plataforma Filchner e encalhou cinco anos depois no mar de Weddell. Até que, no ano passado, mexeu-se para norte.

À margem da cimeira do Conselho do Ártico em Reiqueiavique, na qual a Rússia assumiu da Islândia a presidência rotativa, os chefes da diplomacia norte-americana e russa protagonizaram uma reunião apodada de "construtiva" e na qual a palavra "cooperação" foi a mais usada.

Moscovo saudou o facto de Washington desistir de sancionar os responsáveis do gasoduto Nordstream 2, que vai abastecer a Alemanha de gás russo. Antony Blinken advertiu que no Ártico deve prevalecer o estado de direito para que a paz perdure na região, no que foi visto como um recado à Rússia mas também à China, observador do Conselho. Sergei Lavrov disse não haver motivos para conflitos no Ártico e criticou "o desenvolvimento de programas militares" na região, referência ao incremento da presença da NATO na Noruega.

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