Apoios para crianças com óculos. Oftalmologistas dizem que deve ser só para quem precisa
Crianças e jovens com idade até aos 24 anos estão a receber subsídios - que variam entre os 62 e os 121 euros mensais - simplesmente por usarem óculos.
Trata-se de uma bonificação por deficiência que acresce ao abono de família e que já está prevista na lei há vários anos, noticia o Público.
O facto de esta informação ter começado a correr nas redes sociais levou a que muitos pais inundassem os oftalmologistas de pedidos de preenchimento do requerimento que permite este benefício social. Ao ponto da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO) ter esta publicado na sua página oficial um posição sobre o assunto onde diz aos especialistas que devem recusar atestar a deficiência se tal não se verificar.
Por isso, a SPO relembra os preceitos técnicos do Inventário de Conceções de Deficiência (ICD) e a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), para apelar aos médicos oftalmologistas que não se escondam atrás de um documento para "simplesmente para agradar aos pais".
"A bonificação, a ser aplicada em toda a população ametrope [com problemas de visão], agravaria as contas públicas e em última instância reduz ou impede que o dinheiro, no montante justo e necessário, beneficie os que realmente precisam", lê-se no esclarecimento.
A Sociedade Portuguesa de Oftalmologia diz que tem sido questionada pelos médicos sobre se o uso de óculos, ou de qualquer outra correção refrativa, configura uma deficiência visual.
Para logo responder: "Para aqueles que consideram que sim, com base no raciocínio simplista de que se não houvesse deficiência não se impunha uma correção, convém relembrar que a prevalência dos erros refrativos é superior a 40 %. A bonificação teria que ser concedida a uma parte considerável da população. Por outro lado, bastaria que alguém que se sinta melhor com mais ou menos 0.25 fosse elegível para a bonificação abrindo a porta à fraude generalizada."
A Sociedade Portuguesa de Oftalmologia lembra ainda o que aconteceu há alguns anos "quando uma Secretaria de Estado decretou que a redução ou isenção do IRS teria lugar quando a acuidade visual, medida sem correção, fosse inferior a um determinado valor. Médicos, incluindo cirurgiões, juízes, administradores de empresas e de bancos etc, com ametropias ligeiras foram dados como incapazes ou deficientes e dispensados do IRS ou viram o IRS ser muito diminuído. Tudo perfeitamente legal, mas como acontece com muitas outras leis, profundamente imoral."
E faz questão de frisar que o oftalmologista não deve basear a sua atitude no conhecimento comum. "O conhecimento comum que os pais exibem não é aceitável no médico. O raciocínio simplista não deve aqui ser aplicado. Note-se que o documento é para ser preenchido pelo oftalmologista e não pelo médico de família que seria suficiente para atestar o uso de óculos. Os pais, cujos filhos usam óculos, não os tratam como deficientes, as crianças não se sentem deficientes e a escola e a sociedade também não os considera deficientes."
A estrutura representativa dos oftalmologistas recusa que os médicos passem o atestado apenas para agradar aos pais. "O médico oftalmologista não tem desculpa para fazer o que deve: recusa de atestar deficiência quando tal não se verifique."
Por esta razão, a SPO diz que é importante esclarecer o que é uma deficiência: "A ACAPO define deficiência como uma condição visual que afeta a nossa capacidade de realizar tarefas do dia-a-dia e que é agravada pelo meio em que vivemos", refere. A Organização Mundial de Saúde, em consonância com o ICD (2018), estabelece como visão quase normal ou ligeiramente diminuída uma acuidade no melhor olho com correção entre 20/30 e 20/60. E alonga-se numa explicação técnica dirigida aos oftalmologistas,
A bonificação a crianças com problemas de visão é atribuída pela segurança social desde há várias décadas, mas manteve-se, durante anos, na esfera de conhecimento dos professores de ensino especial, assistentes sociais e dos médicos que acompanham mais de perto crianças deficientes, refere a SPO.
O Instituto da Segurança Social (ISS), citado pelo Público, explica que a bonificação por deficiência é "um acréscimo ao abono de família para crianças e jovens que é atribuído quando por motivo de perda de ou anomalia congénita ou adquirida, de estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica, a criança ou jovem que necessite de apoio pedagógico ou terapêutico".
Mas, esclarece o ISS, apesar de o rendimento do agregado familiar não contar para a atribuição do subsídio, como a bonificação cresce ao abono de família, "apenas têm acesso os agregados cujo valor total do património mobiliário (depósitos bancários, ações, certificados de aforro ou outros ativos) sejam inferiores a 104.582 mil euros.
De acordo com o jornal, o subsídio começa nos 62,37 euros mensais para crianças até aos 14 anos; dos 14 aos 18 aumenta para 91 euros; dos 18 aos 21 chega aos 121 euros.
O ISS admite ao aumento dos pedidos e diz que está a avaliar a situação. Explica ainda que quem solicita o subsídio deve apresentar juntamente com o requerimento um atestado médico a declarar que a criança é portadora de deficiência, mas também o efeito no seu desenvolvimento. A bonificação é atribuída depois de comprovada a deficiência.