Apoio às vítimas de crimes: Governo só cumpriu uma de 13 medidas prometidas

A APAV fez um <em>fact checking</em> às medidas do programa do atual governo relacionadas com o apoio às vítimas de crimes. Das 13 propostas, apenas uma foi integralmente cumprida, oito ficaram na gaveta e quatro foram apenas parcialmente cumpridas
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Em matéria de apoio às vítimas de crimes, o 'chumbo' do governo é inevitável. Apenas foi cumprido um dos 13 compromissos que assumiu, no início da legislatura, para melhorar o apoio às vítimas da criminalidade. Oito dessas medidas ficaram na gaveta e quatro foram executados apenas parcialmente.

A APAV (Associação de Apoio à Vítima) divulgou esta quinta-feira um relatório onde avaliou uma a uma estas propostas, identificando o seu grau de execução, através de "conhecimento documental e factual da realidade portuguesa".

"Deste modo cumprimos também a nossa missão como organização da sociedade civil não governamental de vigilância dos poderes públicos na execução da sua ação", é sublinhado.

Prevenção de violência doméstica OK

Saiu do papel o "aprofundamento da prevenção e do combate à violência de género e doméstica, através de uma estratégia nacional abrangente, com participação local e perspetivas integradas para uma década, na linha do que é definido na Convenção de Istambul e na Convenção sobre o Tráfico de Seres Humanos" - uma das medidas que integra o capítulo "Um Estado Forte, Inteligente e Moderno", do programa do XXI governo Constitucional.

A APAV salienta que "a área da prevenção e combate à violência doméstica e de género e do tráfico de seres humanos é a única área com políticas públicas consolidadas ao longo dos vários governos Constitucionais com liderança da Igualdade (Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade)", no entanto, "com insuficiência de visão integrada com outros setores da ação governativa".

Esta associação, assinala que "apesar dos esforços no sentido de garantir o acesso das vítimas de violência doméstica a serviços de apoio em cada vez mais regiões do território nacional, verifica-se ainda uma grande assimetria entre algumas zonas do interior e as grandes cidades do litoral".

Os oito compromissos que falharam

De acordo com o fact cheking da APAV, mais de metade das medidas não foram, contudo, cumpridas:

1- Criação de Programa Nacional de Prevenção e Segurança de Proximidade

A APAV diz que apenas se conhecem medidas parcelares "com ausência de visão estratégica nacional traduzida em programa nacional".

2- Reforma da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes e do enquadramento jurídico das indemnizações às vítimas pelo autor do crime e pelo Estado, dando particular ênfase às situações de violência

No entender da Associação, tratam-se de Iniciativas legislativas reveladoras do não conhecimento e da não compreensão dos fenómenos da vitimação e das necessidades das vítimas de crimes e tentativa de criação de estruturas governamentais estatizantes e inadequadas.

3- Ampliação das responsabilidades e meios do Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS), para segurança das infraestruturas e direitos fundamentais, em articulação com o Ministério da Defesa Nacional

Após terem verificado a execução desta medida, os peritos da APAV concluíram que "na sua missão de detetar e responder a ciberataques que ponham em causa o funcionamento das infraestruturas críticas (como hospitais, aeroportos, centrais elétricas) e os interesses nacionais ainda faltam meios ao CNCS para dotar as infraestruturas críticas do Estado de mecanismos de deteção e combate em tempo real de ciberataques.

4- Criação de uma rede de espaços seguros para visitas assistidas e entrega de crianças e jovens no âmbito dos regimes de responsabilidades parentais

Outra medida que ficou na gaveta, lamenta a APAV. "Sabendo-se que os momentos das visitas e/ou entregas de crianças e jovens no âmbito dos regimes de responsabilidades parentais são muitas vezes potenciadores de tensão e de atos de violência física e/ou psíquica, a criação destes espaços pode contribuir de forma decisiva para a prevenção e para a proteção das crianças e jovens", adverte.

5- Adaptação da Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, para que possam exercer funções de proteção de pessoas em situação de risco

Neste campo houve uma "ausência de estratégia e de políticas públicas para a efetivação operacional da função de proteção de pessoas maiores em situação de vulnerabilidade".

6- Avaliar a aplicação dos instrumentos de justiça restaurativa e alargar a sua utilização, tornando-a obrigatória na fase preliminar na justiça de menores

Considera a APAV que "na ausência de uma estratégia integrada, a aplicação de práticas restaurativas resume-se a projectos de duração limitada, que se cingem a uma escassíssima minoria de estabelecimentos prisionais e cujo envolvimento de vítimas é praticamente nulo".

Lembra que "no âmbito da Lei Tutelar Educativa, e apesar de esta prever em vários momentos a possibilidade de recurso à mediação, as práticas restaurativas são desde há largos anos inexistentes".

7- Simplificação da linguagem nos atos processuais fundamentais, como nas citações e nas notificações, de forma a facilitar a compreensão pela generalidade dos cidadãos, passando também a estar explícitas as referências a disposições legais

Conclui a APAV que "o esforço exigido à Justiça para a evolução mais amigável para o cidadão, e para quem é vítima de crime, foi circunscrito a programas pilotos e de teste, não havendo uma mudança estrutural".

8- Melhorar a qualidade do acesso ao sistema de apoio judiciário no sentido de prestar um melhor serviço a quem dele necessite

Outro 'chumbo' da APAV. "O tempo de espera pela decisão sobre a concessão de apoio judiciário é atualmente incompatível com o direito de acesso à justiça em tempo útil e necessidade de melhorar a sua qualidade", assinala.

Os quatro 'mais ou menos' cumpridas

1 - Atualizar e estabelecer uma nova geração de Contratos Locais de Segurança

Apurou a APAV que a "cobertura territorial muito localizada e com ausência da vertente do apoio à vítima de crime e insuficiência/ ausência de envolvimento da sociedade civil".

2- Cobertura nacional progressiva dos serviços de apoio à vítima de crime

Nesta matéria, regista-se uma "ausência de estratégia e de políticas públicas para o apoio à vítima de todos os crimes e da garantia dos seus direitos na área da Justiça". A APAV sublinha que "o alargamento dos serviços de apoio à vítima cingiu-se às vítimas de violência doméstica e por iniciativa, sobretudo da área da Igualdade."

No que diz respeito à área da Justiça, esta "reduziu em 50% a sua contribuição no Protocolo do Governo com a APAV relativamente ao apoio às vítimas de todos os crimes".

3- Alargamento da competência e da rede dos julgados de paz, bem como dos centros de mediação e de arbitragem

Em relação a este compromisso foi verificado que houve uma "ausência de investimento no sistema de mediação penal, parado desde 2012, e na Justiça Restaurativa em geral"

4- A criação de um portal da justiça na Internet, com informação útil, na perspetiva de um cidadão ou de uma empresa, sobre os tribunais e outros serviços de justiça e respetivos custos, bem como sobre os meios extrajudiciais de resolução de litígios e o apoio judiciário

Neste campo, conclui esta avaliação que "em matéria de justiça criminal, a informação disponibilizada é incompleta na medida em que não contempla, por exemplo, os direitos das vítimas de crimes.

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