Antibiótico, um pouco de sabor a baunilha e adeus bactérias
As bactérias resistentes aos antibióticos, afinal, podem ser derrotadas através de uma combinação de antibióticos, ou (surpresa!) destes com outros compostos, como a vulgar vanilina, a substância do sabor a baunilha.
A descoberta, que contou com a participação da investigadora portuguesa Ana Rita Brochado, abre um novo caminho para futuros tratamentos contra os agentes patogénicos que se tornaram resistentes ou multirresistentes aos antibióticos disponíveis - uma tendência que a Organização Mundial da Saúde (OMS) já considera "alarmante". A aplicação clínica desta estratégia, no entanto, "ainda está pelo menos a três anos de distância", admite a investigadora.
O estudo, realizado por uma equipa do European Molecular Biology Laboratory (EMBL), em Heidelberg, na Alemanha, e publicado hoje na revista Nature , foi o primeiro do género a testar de forma sistemática o efeito de três mil pares de combinações possíveis, de um total de 80 moléculas. Desse conjunto, cerca de 70% eram antibióticos, e os restantes eram outros medicamentos não antibióticos, como a aspirina ou o imodium, e ainda suplementos alimentares, como a vanilina ou a curcuma.
Os efeitos de cada um dos três mil pares de moléculas foram testados em três bactérias distintas: a Salmonella typhimurium e a Escherichia coli, que causam infeções gastrointestinais, por exemplo, e a Pseudomonas aeruginosa, que se aloja nos pulmões e que em doentes imunodeprimidos pode causar infeções graves. E as conclusões são muito promissoras.
"Das três mil combinações que testámos, 7% excederam as nossas expectativas", diz Ana Rita Brochado, explicando que nesses casos "os antibióticos conseguiram ser mais agressivos e eficazes contra as bactérias do que se tivessem sido administrados sozinhos".
A molécula-revelação, por assim dizer, acabou por ser a vanilina - a tal que sabe a baunilha. Só por si, esta molécula não mata as bactérias, claro, mas quando combinada com a espectinomicina (um antibiótico), a vanilina revelou-se um poderoso e inesperado auxiliar, que permitiu ao antibiótico penetrar facilmente no corpo das bactérias e neutralizá-las.
Outro par ganhador é o dos dois antibióticos eritromicina e colistina. Porquê? Porque no caso das bactérias resistentes à colistina, "que é muito potente, e só utilizada em casos especiais, quando muitos outros antibióticos já não funcionam", o seu emparelhamento com a eritromicina permitiu que ele voltasse a ser eficaz. Como resume Ana Rita Brochado, "dispormos de combinações capazes de reverter esta resistência à colistina é clinicamente muito relevante".
Os resultados foram tão evidentes que a equipa decidiu aplicar também a combinação da vanilina com a espectinomicina - bem como outras seis, das que se mostraram mais eficazes - em estirpes multirresistentes das mesmas três espécies de bactérias, para verificar se o efeito era o mesmo.
"E era", conta, satisfeita, Ana Rita Brochado, explicando que este novo conhecimento abre agora portas a estudos pré-clínicos, para se poder testar a eficácia e a segurança destas combinações de compostos. "Os nossos estudos são laboratoriais, agora é preciso testar isto, primeiro em ratinhos e depois passar às fases seguintes, e fazer estudos clínicos, antes de poderem ser usados na medicina", nota a investigadora, sublinhando que o seu grupo já está a delinear alguns estudos em modelos animais.
"Há vários passos ainda a dar, e não teremos uma aplicação médica antes de três ou cinco anos, mas mesmo assim ganha-se muito tempo em relação ao desenvolvimento de novas moléculas, uma vez que todas estas que testámos já estão aprovadas para uso humano", sublinha a investigadora.
Investigadora do EMBL desde 2012, onde tem trabalhado justamente nesta área da combinação de antibióticos e seu efeito nas bactérias, Ana Rita Brochado é a primeira autora da equipa que fez este estudo, que contou ainda com a participação de André Mateus, o outro português do grupo.