"Alguma maçonaria ficou agradada por eu não voltar a fiscalizar as secretas"

Teresa Morais, deputada do PSD recusou ser de novo candidata à fiscalização dos serviços de informações. Não quer ser "saco de boxe das birras" do PS.
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No próximo dia 20 haverá uma nova eleição para o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP). O PSD vai insistir com o nome da Teresa Morais?

Era essa a intenção do presidente do PSD e do novo líder parlamentar, no entanto, comuniquei-lhes que não estava disponível para uma nova eleição. Entendo que o ponto que eu tinha de provar, já provei: o PS não tinha fundamentos sérios para rejeitar o meu nome. A audição parlamentar deixou claro que não havia nenhum problema com o meu perfil e que, pelo contrário, tinha o curriculum, a experiência e as características que me foram até reconhecidas por todos os grupos parlamentares, incluindo os deputados que falaram em nome do PS. Para mim chega, não tenho vocação para ser saco de boxe das birras do PS. Dei o peito às balas, sabendo de antemão que iria ser chumbada, mostrei que o PSD não tem medo do PS, mas agora chega. O PSD tem muitas outros nomes, dentro e fora do parlamento, bem capazes de assumir estas funções.

Não reconhece que tenha alguma característica que possa justificar o "perfil desadequado" que lhe foi atribuído por Carlos César?

Essa era uma argumentação difícil de sustentar. Eu já tinha sido membro do CFSIRP durante sete anos (2004/2011), eleita duas vezes com os votos do PS, e nunca me foi apontada qualquer falha. O outro argumento, da "excessiva partidarização" por ser vice-presidente do PSD também não fazia sentido. Em primeiro lugar porque o próprio representante do PS no CFSIRP, o deputado Filipe Neto Brandão, é membro da direção do grupo parlamentar socialista. Em segundo lugar, uma colega minha também vice-presidente do PSD (Teresa Leal Coelho) tinha sido eleita há poucos meses para a Entidade Fiscalizadora do Segredo de Estado e ninguém considerou que isso constituía uma partidarização do lugar.

Não se pode considerar esta posição do PSD como um recuo, uma cedência ao PS?

De maneira nenhuma. A direção do grupo parlamentar queria que fosse o meu nome a ser reposto, mas aceitou o meu argumento. O motivo foi mesmo a minha indisponibilidade, não há recuo nenhum.

Porque é que o CFSIRP nunca detetou as irregularidades alegadamente cometidas pelos espiões, que têm vindo a público? Falo, por exemplo, das escutas e do acesso à faturação de comunicações referida no julgamento do ex-diretor do SIED e do Manual de Procedimentos do SIS, que tinha referências a esses procedimentos...

Lembro-me do saudoso deputado Marques Júnior, que presidiu ao CFSIRP que integrei, ser extremamente cauteloso nas audições parlamentares e dizer sempre que não tinham sido detetadas irregularidades e ter sempre o cuidado de não afirmar perentoriamente que elas não existiam. No entanto, e falando de uma forma geral, dificilmente esse género de irregularidades são detetáveis, pois aquilo que não tem suporte físico ou que não está registado não é suscetível de fiscalização. De qualquer forma, fizemos um trabalho muito rigoroso num período que foi bastante complexo, entre 2008 e 2011. Não foi por acaso que eu ganhei o elogio de ser a "chata", da parte do ex-diretor do SIED, o Dr. Jorge Silva Carvalho, que queria que eu fosse substituída. Hoje deve ter percebido que foi um elogio que me fez. Espero ter sido suficientemente "chata" com ele e com outros elementos dos serviços de informações. Ser exigente era mesmo a melhor forma de fazer uma fiscalização assertiva. Talvez seja precisamente devido a ter tido essa atitude que a minha não reeleição para o CFSIRP terá agradado a algumas pessoas, designadamente a alguma maçonaria.

A maçonaria teve influência na posição do PS? Foi esse, afinal, o motivo para a terem chumbado?

Não diria tanto, mas alguma maçonaria ficou certamente agradada por eu não voltar a fiscalizar as secretas. É normal que algumas pessoas que gostem de ter o caminho livre para as suas manipulações não queiram ter um CF rigoroso e com capacidade de dar um murro na mesa quando é preciso.

É incómoda para a maçonaria?
Não me atribuo essa importância toda, nem quero generalizar. Mas fui incómoda - e foi o próprio ex-diretor do SIED que o afirmou - quer para ele quer para os seus amigos, os que continuaram nos serviços e outros que estão cá fora.

O demissionário secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira, fez um retrato dramático em relação à situação dos serviços de informações, alertando para a falta de meios, fuga de quadros e perda de competitividade. O país pode ter umas secretas neste estado, tendo em conta a complexidade das ameaças à segurança?

O Dr. Júlio Pereira dirigiu o SIRP durante 12 anos e parece-me que tinha a obrigação de ter exposto todas as deficiências do seu serviço à sua tutela, que é o primeiro-ministro. Espero que o tenha feito. Os serviços de informações para serem eficazes têm de ter os meios necessários, mas foram até bastante poupados a cortes orçamentais nos últimos anos do governo a que pertenci. Se o Dr. Júlio Pereira entendeu que era agora, em final de vários mandatos, que devia revelar este desabafo final, a meu ver fez mal.

Recentemente foi conhecida uma acusação sem precedentes no nosso país, de espionagem e corrupção, contra um agente do SIS, com grande impacto internacional. Esperava demissões na hierarquia das secretas?

Não conheço a fundo os contornos desse caso, apenas o que é público, mas era suposto ter havido consequências.

O PSD não quis dar o seu aval à indigitada nova secretária-geral do SIRP, a embaixadora Graça Mira Gomes. A Teresa Morais considera-a uma boa escolha?

Não a conheço, não posso dar a minha opinião.

Foi uma das pessoas que defendeu publicamente a recandidatura de Pedro Passos Coelho à liderança do PSD, dizendo que "não há melhor líder" e que a sua saída só agrada "àqueles que valorizam a chico-espertice, a manha e a astúcia". Como vê agora o futuro do PSD?

É demasiado cedo para fazer essa análise. São conhecidos dois candidatos, não sabemos se haverá mais. Quem vier apresentará o seu programa e definirá a sua estratégia. É verdade que discordei da decisão do presidente do PSD porque considero que, mesmo sendo sérias as suas razões, não as posso aceitar como boas. A responsabilidade de uma derrota eleitoral autárquica não pode ser atribuída ao presidente de partido. Passos Coelho andou em campanha eleitoral intensa de norte a sul do país, em todos os distritos, e foi muito bem recebido. Por outro lado, também acho que a "hecatombe" de que alguns falam não se verificou. Houve uma derrota, é inquestionável, mas não reconheço nenhum desastre eleitoral. O nosso objetivo de aumentar o número de câmaras não foi alcançado, terminámos com menos oito câmaras que em 2013 mas, ganhámos 11 concelhos ao PS. Estas eram eleições locais e onde havia bons candidatos e boas equipas, o PSD ganhou e até reforçou o seu resultado. O facto de o presidente ter querido assumir sozinho a responsabilidade só prova que ele é sério, mas, a meu ver, não lhe dá necessariamente razões para não se recandidatar. A segunda razão, foi o Dr. Passos Coelho ter achado que sendo o alvo de todos aqueles que queriam atingir o PSD, seria vantajoso para o partido não se recandidatar. Também não posso concordar com isto porque acho, de facto, que o PSD perdeu o seu melhor, o seu militante mais preparado tanto para ser presidente do partido, como para vir a ser de novo primeiro-ministro.

Pelo que disse, nem Rui Rio, nem Santana Lopes estarão à altura?

Vejamos, agora estamos noutro cenário. Quando disse que o Dr. Pedro Passos Coelho era o mais preparado, não retiro uma vírgula. O que acontece é que ele não está disponível para continuar. Saindo o Dr. Pedro Passos Coelho evidentemente que o PSD tem alternativas, umas mais qualificadas que outras. Por agora digo apenas que tenho memória. E ter memória nestas circunstâncias significa ter bem presente quem é que nos últimos anos, durante o anterior governo e o tempo em que fiz parte desta direção, ajudou o partido e quem é que o prejudicou.

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