Alguém fugiu da Coreia do Sul para a do Norte. Será um desertor?
As autoridades militares sul-coreanas anunciaram que, no dia de Ano Novo, uma pessoa não identificada escapou aos controlos e cruzou a Zona Desmilitarizada que divide a península coreana, entrando na Coreia do Norte. Será um caso raro de um desertor ou um norte-coreano a regressar ao seu país, incapaz de se adaptar à vida no Sul? Seul enviou uma mensagem a Pyongyang pedindo a proteção para quem cruzou a fronteira, sabendo que a política do Norte é disparar para matar.
Desde o final da década de 1990, mais de 33 mil pessoas fugiram da pobreza e da repressão do país liderado nos últimos dez anos por Kim Jong-un. Iam à procura de melhores condições de vida na Coreia do Sul, suspeitando-se que pelo menos três dezenas tenham regressado depois de não se adaptarem e o destino de outras mil é desconhecido. Os casos de deserções do Sul para Norte são mais raros.
A 21 de setembro de 2020, o oficial sul-coreano Lee Dae-jun, que estava num navio de patrulha de pesca, descalçou-se, vestiu um colete salva-vidas e lançou-se às águas junto à costa norte-coreana. Seul acredita que queria desertar, mas a família negou que fosse essa a sua intenção. No dia seguinte, o homem de 47 anos foi descoberto pelos militares norte-coreanos, interrogado e morto a tiro, tendo o seu corpo sido depois mergulhado em combustível e queimado por soldados com máscara de gás, ao abrigo das medidas de proteção estabelecidas por Pyongyang para lutar contra o coronavírus.
O destino da pessoa que cruzou a fronteira neste sábado não é ainda conhecido. O indivíduo não identificado (nem foi revelado se é homem ou mulher) entrou na Coreia do Norte pelas 22.40 locais, cerca de 80 minutos depois de ter sido detetado pelo equipamento de vigilância na Zona Desmilitarizada, informou o Estado-Maior Conjunto da Coreia do Sul. Os militares sul-coreanos ainda tentaram travar essa pessoa, mas sem sucesso. "Lançámos uma missão para capturar a pessoa na Zona Desmilitarizada. Mas devido às condições geográficas, incluindo o terreno montanhoso, falhamos essa tentativa", disse à agência de notícias sul-coreana Yonhap um oficial do exército, sob anonimato. "Foi constatado que a pessoa cruzou a Zona Desmilitarizada para o Norte", tinha dito o comando militar.
A fronteira entre as duas Coreias é uma das mais vigiadas e perigosas, havendo cerca de dois milhões de minas antipessoais numa zona de quatro quilómetros de largura, que se estende ao longo de 248 quilómetros de comprimento. Além disso há cercas de arame farpado, armadilhas antitanque e militares de ambos os lados.
A Zona Desmilitarizada, junto ao Paralelo 38, foi criada após a assinatura do armistício que pôs fim aos combates da Guerra da Coreia (1950-1953) - oficialmente os dois países ainda estão em guerra, apesar de várias tentativas de diálogo para assinar um acordo de paz. Seul quer retomar esse diálogo, dizendo esta semana que já tem um "rascunho" do texto acordado com Washington.
Diante do incidente na fronteira, no domingo de manhã a Coreia do Sul enviou uma mensagem para a Coreia do Norte, para garantir a segurança da pessoa não identificada. Mas Pyongyang não respondeu de imediato. O Estado-Maior Conjunto da Coreia do Sul não tinha ontem detetado qualquer atividade fora do comum do exército norte-coreano.
A fuga do Sul para o Norte ocorreu apesar da promessa das autoridades militar de Seul de reforçar o sistema de defesa na fronteira com mais equipamento de vigilância, depois de casos de falhas de segurança, segundo a agência de notícias Yonhap. Em fevereiro de 2021, um norte-coreano nadou para a Coreia do Sul sem ser detetado, num caso que levou o ministro da Defesa Suh Wook a pedir desculpas públicas. Em novembro de 2020, outro norte-coreano tinha cruzado a fronteira sem ser detetado pelas autoridades.
Em agosto de 2020, o regresso de um desertor norte-coreano ao seu país de origem levou Kim Jong-un a decretar o confinamento da cidade de Kaesong (e das suas 300 mil pessoas) durante três semanas, por suspeitas que tivesse covid-19. Oficialmente, Pyongyang garante que a pandemia não entrou no país, depois de todas as fronteiras terem sido fechadas, mas os especialistas acreditam que isso será mentira.
Kim Geum-hyok tinha 21 anos quando fugiu da Coreia do Norte, em 2017, atravessando a Zona Desmilitarizada e o rio que divide os dois países. Em agosto de 2020 fez o percurso no sentido contrário, depois de a justiça sul-coreana ter emitido um mandado de captura devido a uma acusação de violação. Não se conhece a sua situação desde que regressou ao Norte.
A situação já de carências na Coreia do Norte só piorou por causa da pandemia de covid-19, com o país a manter um bloqueio rígido para evitar a doença. Isso destruiu ainda mais a economia. Num discurso no final da reunião plenária do Comité Central do Partido dos Trabalhadores da Coreia, Kim Jong-un reconheceu a "terrível situação" de 2021, de acordo com a agência de notícias estatal KCNA. E descreveu os desafios de 2022 como "uma grande luta de vida ou morte", estabelecendo a "importante tarefa de fazer um progresso radical na solução do problema da alimentação, vestuário e habitação para as pessoas".
susana.f.salvador@dn.pt