O que o país não tem a CUF cria." "Nunca aos meus operários faltou pão e trabalho." Estas frases são atribuídas a Alfredo da Silva e, provavelmente, são duas imagens perfeitas do homem que terá sido o mais influente industrial português do final do século XIX e da primeira metade do século XX. O empresário que nasceu há 150 anos (30 de junho de 1871) foi uma das figuras centrais do desenvolvimento de um Portugal então marcado pela ruralidade e com uma indústria incipiente..A história de Alfredo da Silva (que morreu a 22 de agosto de 1942 aos 71 anos e que por estes dias é recordado numa conferência organizada pela Fundação Amélia de Mello) confunde-se com a criação daquele que terá sido o primeiro império industrial do país e com a evolução do Barreiro, que passou de uma vila piscatória e rural para se transformar numa cidade marcada pela ação do homem nascido "às 12h15 no 3.º andar do edifício n.º 185 da Rua Bela da Rainha [agora conhecida como Rua da Prata]", como se conta na fotobiografia editada pelo Círculo de Leitores, em 2003, sob a direção de Joaquim Vieira, com Júlia Leitão de Barros e Ana Filipa Silva Horta..Neste trabalho, inserido num conjunto de fotobiografias do século XX, é feita uma viagem pelo percurso de Alfredo da Silva mostrando a sua intervenção em diversos aspetos da vida nacional, desde a sua entrada em empresas até às opções políticas..A vida de Alfredo de Silva (filho de Caetano Isidoro da Silva e Emília Augusta Laymée Ferreira) começa com uma coincidência: nasceu no ano em que Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão começaram a publicar a sua crónica mensal "As Farpas" - 1871..E a verdade é que os dois escritores são muito mais conhecidos pela generalidade dos portugueses do que o empresário, com exceção do Barreiro, onde existe uma Escola Básica e Secundária Alfredo da Silva, uma Avenida Alfredo da Silva, uma estátua representando o empresário no centro da cidade, além do Grupo Desportivo Fabril do Barreiro com morada no complexo desportivo Alfredo da Silva e, claro, o complexo fabril Quimiparque com sede na Rua Industrial Alfredo da Silva. E é no centro do complexo que está o mausoléu para onde foram transladados os seus restos mortais, a 20 de agosto de 1944.."Trabalho sem descansar. Trato da minha vida, ocupo-me da vida dos outros. Esforço-me por que não paralisem as fábricas que dirijo. Nunca aos meus operários faltou pão e trabalho." Esta frase é citada na fotobiografia como sendo um desabafo de Alfredo da Silva quando estava a ser perseguido durante a revolução de 19 de outubro de 1921, na I República, e ilustra um dos momentos complicados da existência do homem que começou a vida profissional em 1890, quando tomou conta dos negócios da família (os seus três irmãos, dois rapares e uma rapariga, não o seguiram). Ou seja, um ano antes de terminar o curso superior de Comércio com uma média de 15,7 valores, segundo os documentos da época reproduzidos na edição do Círculo de Leitores..Da vida de Alfredo da Silva sabe-se algumas coisas, mas não muitas, e quem já publicou textos sobre o empresário não raras vezes frisa que não existem muitos dados sobre ele - e mesmo registos fotográficos são escassos. E quando existem, a maior parte é de visitas que fez às fábricas. Há, porém, uma descrição: "Era corpulento e, embora de estatura mediana, imponente no seu aspeto (...), o nariz forte, os lábios tímidos e o pescoço forte. A voz era rouca. Vestia-se bem. Era um janota, sempre de bengala." Esta forma de estar ter-lhe-á valido uma alcunha por parte dos operários: "O casaca"..Atribuem-lhe capacidade de chefia, autoritário e, de acordo com os documentos conhecidos, pouco dado a partilhar. Também não terá aceitado os protestos laborais que foram existindo na CUF, pois nunca terá concordado receber quem fazia greves para encetar uma qualquer negociação..Quanto a leituras, consta que gostaria de ler o Le Temps (o jornal francês de referência antes da I Guerra Mundial) e o inglês The Times..Em relação aos estudos, entrou aos 6 anos para o Liceu Francês, onde cumpriu a escolaridade até 1885, fez depois provas de Matemática, Português e Francês para ingressar no ensino superior..O interesse de Alfredo da Silva pela indústria começou bem cedo, pois os seus estudos passaram por Botânica, Física e Química, além de ter aprendido Francês, Inglês e Alemão. Estudou ainda Contabilidade, Finanças e Direito. Após o Liceu Francês ingressou no curso superior de Comércio, em 1887, assumiu a gestão da herança da família em 1890 e três anos depois era administrador da Companhia Aliança Fabril e do Banco Lusitano..Começava assim o caminho do homem que se definia da seguinte forma: "Nasci industrial, sempre quis ser industrial.".E este seu ideal foi concretizado com o império CUF, um complexo que ficou na história de Portugal como, provavelmente, o maior exemplo de concentração de uma indústria no país..A Companhia União Fabril, o nome com que nasceu a 22 de abril de 1898, surgiu da fusão da Companhia Aliança Fabril com a União Fabril e foi o início do projeto de Alfredo da Silva, que ajudou a transformar a economia do país e provocou uma alteração radical no Barreiro, que passou de uma vila praticamente só piscatória a uma cidade industrial à sombra da CUF..A escolha do Barreiro acabou por ser natural e a opção óbvia para a instalação de um projeto industrial. Era aqui que estava a nascer o ramal ferroviário para o sul do país e a sua ligação ao rio Tejo permitia às fábricas a utilização da navegação marítima..E que império foi esse que nasceu na zona ribeirinha da agora cidade e que se estendeu pelo interior da urbe até às linhas de comboio?.O complexo do grupo CUF chegou a ter cem fábricas onde se produzia, por exemplo, sabões e óleos vegetais, e com interesses em outros produtos ao ponto de o império ter chegado a ter mais de 10 mil trabalhadores, juntando as várias unidades pelo país. Além da CUF, também detinha a Tabaqueira, a Lisnave, o Banco Totta & Açores, a Companhia de Seguros Império, etc. Mas a marca de Alfredo da Silva tem um outro lado: aquilo a que se chamou a "Obra Social"..Ou seja, dentro dos muros do complexo industrial os trabalhadores tinham à disposição "ofertas" que não existiam em mais nenhuma empresa: um bairro para os operários (o Bairro Operário); despensa onde os colaboradores iam comprar víveres; um centro médico; padaria, refeitório, talho, balneários, lavadouros, assistência farmacêutica, corpo de bombeiros; a Academia Recreativa e Musical do Pessoal da CUF; duas escolas primárias (uma masculina e outra feminina); uma creche e o Grupo Desportivo da CUF (fundado em 27 de janeiro de 1937)..De acordo com os documentos existentes sobre o empreendimento, Alfredo da Silva pagava bons salários e dava benefícios sociais aos trabalhadores "da casa" - não eram extensíveis aos temporários -, incluindo empréstimos que estes iam pagando. Em troca exigia "obediência, disciplina e normalidade". Por isso contestou as greves e os protestos de que foi alvo..Referência também merece a sua passagem pela Carris, onde, depois de várias viagens, foi o impulsionador dos "carros elétricos"..YouTubeyoutubeD5RumLT9Nkc.Alfredo da Silva teve alguma participação política. Filiou-se no Partido Regenerador Liberal de João Franco, em 1906, chegando a ser eleito deputado pelo círculo de Setúbal. Apoiou Sidónio Pais (líder da Junta Revolucionária que tomou o poder em dezembro de 1917 e depois Presidente da República até ser assassinado a 14 de dezembro de 1918 na Estação do Rossio)..Nestes tempos conflituosos, o empresário foi alvo de três tentativas de assassinato, acabando por se exilar em Madrid e Paris durante alguns períodos..Morreu em agosto de 1942, de "deficiência cardíaca", aos 71 anos, tendo deixado o genro Manuel de Mello (casado com a sua única filha, Amélia) a gerir e a aumentar o império..A 20 de agosto de 1944 cumpriu-se um dos seus desejos: ficar no Barreiro. Os seus restos mortais foram transladados para o mausoléu construído junto ao complexo industrial, que atualmente é um dos ícones dos tempos áureos da CUF..Uma série de imóveis que existem naquele que foi o complexo industrial da CUF foi classificado pela DIreção-Geral do Património como Conjunto de Interesse Público. Esses edifícios estão ligados à atividade industrial e à obra social que a então Companhia União Fabril promovia e que dependem agora da Baia do Tejo, a entidade que gere o Parque Industrial do Barreiro. Depois desta classificação, esta empresa em conjunto com a autarquia do Barreiro e a Fundação Amélia de Mello lançaram o Projeto Fábrica que pretende potenciar o território e as suas valências..cferro@dn.pt