Alemanha já é a mais popular. América de Trump sobe em Israel e pouco mais
"Até [Donald Trump], ser líder do mundo livre era parte integrante da função de presidente dos EUA. Mas Trump deixou claro desde o discurso de posse sombrio e divisivo que não está interessado nessa responsabilidade", garante PJ Crowley ao DN. Para o ex-porta-voz do Departamento de Estado americano, esta atitude abriu a porta para que a chanceler alemã Angela Merkel assumisse as rédeas e afirmasse que a Europa "deve seguir o seu próprio rumo". Uma posição de força que se reflete na última sondagem anual do instituto Gallup à imagem da liderança americana do mundo, segundo a qual a Alemanha é agora a potência mundial mais apreciada.
Há uma década que a Gallup pergunta anualmente ao mundo inteiro (ou quase, este ano foram feitos inquéritos em 134 países) o que pensa da liderança da América. E de 2016 para 2017, as respostas positivas baixaram de 48% para 30%. Um resultado impossível de dissociar da chegada ao poder de Trump, a 20 de janeiro de 2017. Depois de uma campanha que começou como uma brincadeira, de arrebatar a nomeação republicana a 16 rivais e bater a experimentadíssima Hillary Clinton nas presidenciais, muitos esperavam que chegado à Casa Branca o milionário mudasse de tom e se tornasse mais "presidenciável". Enganaram-se.
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É verdade que tentou cumprir as promessas de campanha - construir um muro com o México para evitar a entrada de ilegais, acabar com o Obamacare, a reforma da saúde de Barack Obama que deu seguro a mais 20 milhões de americanos, fazer uma reforma fiscal, ou retirar os EUA do Acordo do Clima de Paris (as duas últimas cumpridas). Mas o lado isolacionista do seu slogan América Primeiro não só se refletiu na saída dos EUA da Parceria TransPacífico (TPP) como abriu caminho a outros protagonistas para ocuparem o lugar de líder mundial.
Com uma taxa de aprovação mais ou menos estável desde 2007, a Alemanha surge este ano em primeiro lugar no ranking das potências mundiais mais populares na sondagem da Gallup, com 41% de opiniões positivas. Os EUA caem para terceiro lugar, atrás da China com 31%. E apenas três pontos percentuais acima da Rússia, com 27%.
Apesar de ainda estar a tentar formar governo depois de vencer as eleições de setembro sem maioria absoluta, Merkel surge mesmo assim como uma das mais estáveis líderes mundiais. No poder desde 2005, a chanceler, de 63 anos, perdeu popularidade interna no auge da crise dos refugiados, quando a sua política de portas abertas foi criticada por muitos alemães. Mas na Europa continua a impor-se como uma das vozes mais fortes. Em janeiro, em Davos, Merkel voltou a deixar uma crítica indireta a Trump ao afirmar: "Temos de procurar respostas multilaterais e não perseguir a via do protecionismo unilateral".
Enquanto Merkel se debate com problemas internos, outros líderes surgem na disputa pelo rótulo de líder do mundo livro. A começar pelo presidente francês Emmanuel Macron. "Com Merkel obrigada a gastar mais tempo a tratar de assuntos internos, o presidente Macron avançou", afirma PJ Crowley. Secretário de Estado adjunto para os Assuntos Públicos entre 2009 e 2011, o autor do livro Red Line destaca ainda a forma como, no último ano, o presidente chinês, Xi Jinping, "se tornou numa das vozes mais poderosas na defesa da ordem internacional vigente". A China foi um dos poucos países que ficaram de fora da sondagem da Gallup.
O estudo revela que uma das regiões onde a opinião sobre a liderança dos EUA se tornou mais negativa foi nos seus vizinhos do continente americano. Em média passou de 49% de aprovação para 24%. No Canadá - cujo primeiro-ministro Justin Trudeau, jovem, liberal, campeão da integração e do multiculturalismo, tem sido apresentado como o anti-Trump -, a taxa de aprovação da liderança americana passou de 60% em 2016 para 20% em 2017, mesmo assim acima dos 16% (no ano anterior era de 44%) que responderam pela positiva no outro vizinho dos EUA, o México.
Muitas vezes alvo da retórica anti-imigração de Trump - que como candidato acusou os ilegais mexicanos de serem "violadores e traficantes", o México tem rejeitado a exigência do presidente americano para que seja ele a pagar o muro que a Administração americana quer construir nos 3145 quilómetros de fronteira entre os dois países.
Basta olhar para o mapa para perceber que a opinião em relação aos EUA piorou em todo o continente americano e Caraíbas. Na América do Sul, do Brasil ao Panamá, da Colômbia ao Chile, a perceção da liderança americana é mais negativa em todos os países. Chile e Uruguai, com apenas 13% de opiniões positivas são os países mais críticos dos EUA no continente.
"Ainda é cedo para dizer se a América Primeiro da presidência Trump é um sucesso ou um fracasso. Mas é claro, com base na trajetória daquilo que o mundo pensa dos EUA que muitas das alianças e parcerias que a Administração Trump considera como "uma grande força" estão em risco", pode ler-se no relatório da Gallup.
Europa dividida
Na Europa as opiniões sobre a liderança americana dividem-se entre um Ocidente crítico - com Portugal a registar a maior queda: só 12% aprovam a liderança dos EUA, menos 51 pontos percentuais do que em 2016 - e o Leste onde a América de Trump obtém bons resultados. Mesmo no velho aliado Reino Unido, a relação especial não parece ser suficiente para contrariar a má impressão. Só 33% dos inquiridos têm opinião positiva da liderança americana, uma queda de 26 pontos em relação ao ano anterior. Mesmo assim menor do que em França, onde só houve 25% de respostas positiva, menos 28 pontos do que em 2016. A Rússia, com uma subida de oito pontos nas opiniões positivas, junta-se à Polónia, Eslováquia, Montenegro, Bielorrússia e Macedónia. Os dois últimos são os únicos países na Europa onde a popularidade da liderança americana subiu mais de dez pontos percentuais - 11 no primeiro, 15 na segunda.
Na Ásia, e sem dados disponíveis em relação à China, o Japão e a Coreia do Sul não escondem o descontentamento com uma América de Trump que se tem destacado pela retórica bélica em relação à Coreia do Norte de Kim Jong-un. Os últimos meses foram marcados pelo lançamento de vários mísseis balísticos e pelo sexto ensaio nuclear dos norte-coreanos. Kim ameaçou destruir os EUA e Trump respondeu prometendo lançar o "o fogo e a fúria" contra a Coreia do Norte. Claro que as primeiras vítimas de uma eventual guerra seriam os vizinhos de Pyongyang, a começar pela Coreia do Sul mas também o Japão. Talvez por isso estes sejam dos países onde a aprovação da liderança americana mais caiu - 14 pontos na primeira, mais dois no segundo.
Em África, as opiniões sobre a América na era Trump são bastante positivas, apesar de em alguns países (como Gabão ou Quénia) a taxa de aprovação ter baixado. A Libéria, tradicionalmente um dos países que mais aprecia os EUA, destaca-se agora com uma subida de 17 pontos. Isto numa sondagem realizada antes de Trump ter dito que os imigrantes africanos e das Caraíbas vêm de "países de merda". Palavras pelas quais entretanto pediu desculpas. O norte de África é a exceção no continente, com Marrocos, Tunísia, Argélia ou Líbia a serem bastante críticos dos EUA.
Apesar de a sondagem ter sido realizada antes de Trump reconhecer Jerusalém como capital de Israel (que o presidente visitou em maio), este é um dos países onde a aprovação da liderança americana mais subiu - passou de 53% para 67%. "Obama não era popular em Israel", recorda PJ Crowley. E o ex-porta-voz do Departamento de Estado está convencido que "a sua decisão de mudar a embaixada dos EUA de Telavive para Jerusalém é muito popular, mas tem um preço. É impossível imaginar qualquer progresso no processo de paz [com os palestinianos] durante a sua presidência".