Ajuda em Mariupol fracassa no dia em que a Rússia terá sido atacada no seu solo
Apesar do falhanço de uma operação de assistência humanitária e de retirada de civis em larga escala, cerca de três mil pessoas escaparam da sitiada Mariupol na sexta-feira. Um assessor do presidente da câmara disse que autocarros com civis tinham deixado a cidade depois de a Rússia ter concordado em abrir o corredor humanitário. Na frente militar, um governador regional russo disse que dois helicópteros ucranianos entraram em território russo nas primeiras horas de sexta-feira e dispararam sobre um depósito de combustível na cidade de Belgorod. Um ataque que, segundo o Kremlin, prejudicou mais uma ronda de negociações, desta feita em videoconferência.
Uma equipa do Comité Internacional da Cruz Vermelha que viajou para Mariupol com o objetivo de facilitar uma grande operação de retirada teve de voltar para trás depois de ter concluído que "as condições impossibilitavam o seu prosseguimento", disse a organização numa declaração, acrescentando esta tentativa a uma lista de anteriores falhanços em retirar civis para um local seguro.
O comité disse que a equipa tentará de novo realizar a operação neste sábado. Pavlo Kirilenko, governador da região de Donetsk, na qual se encontra Mariupol, acusou a Rússia de quebrar as suas promessas de permitir que a ajuda humanitária chegasse à cidade na sexta-feira e de abrir um corredor humanitário. "A assistência humanitária, apesar de todos os acordos e promessas do lado russo, não está a ser realizada. O corredor humanitário basicamente não está operacional", notou Kirilenko em declarações na TV.
Os três veículos da Cruz Vermelha tinham partido de Zaporíjia para Mariupol sem dois camiões com mantimentos, porque não tinham sido autorizados pelos russos. "Estamos a ficar sem adjetivos para descrever os horrores sofridos pela população em Mariupol. A situação é horrível e está a piorar. É um imperativo humanitário deixar as pessoas partirem e para aqueles que permanecem terem acesso a provisões básicas antes que seja demasiado tarde", disse a organização no Twitter.
DestaquedestaqueO ataque ao depósito de combustível seria o primeiro da Ucrânia fora do país e é um embaraço para os militares russos. Na véspera, Moscovo vangloriava-se da "superioridade aérea absoluta".
A cidade está sitiada há semanas por tropas russas, e os cerca de 160 mil habitantes que aí resistem foram alvo de continuados ataques russos, sem terem acesso a bens essenciais. Teme-se que até 10 mil pessoas tenham morrido na cidade portuária.
Apesar de a Cruz Vermelha se ter queixado de falta de garantias de segurança, a trégua terá sido observada, uma vez que autocarros e automóveis particulares levaram ao longo do dia umas três mil pessoas para Berdyansk e para Zaporíjia, segundo Kyrylo Tymoshenko, assessor do presidente Volodymyr Zelensky.
A explosão de um depósito de combustível em Belgorod, na Rússia, a uns 40 km da fronteira, foi atribuída a um ataque ucraniano, no que seria a primeira vez que as forças de Kiev atacariam fora do país. O governador da região, Vyacheslav Gladkov, disse que dois helicópteros ucranianos a sobrevoar em baixa altitude dispararam sobre o referido depósito. Um vídeo publicado na rede social russa Vkontakte confirma que o ataque, do qual resultaram dois feridos, foi realizado por helicópteros. Belgorod, cidade com 400 mil habitantes, foi um ponto de paragem nas últimas semanas para as tropas russas que entraram no Leste da Ucrânia.
Outro incidente por esclarecer ocorreu na mesma região, junto à vila de Krasny Oktyabr, a 20 km da fronteira. Um incêndio num depósito de munições causou uma série de explosões na área e quatro militares russos ficaram feridos.
O ataque é um embaraço para os militares russos. Na véspera, o porta-voz do Ministério da Defesa, Igor Konashenkov, afirmou que as forças russas tinham "superioridade aérea absoluta", permitindo atacar o Oeste e o Centro do país. E na semana passada afirmaram que a força aérea ucraniana tinha sido "praticamente destruída".
Questionado pela imprensa russa como foi possível um ataque aéreo no seu próprio território, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, recusou-se a responder. "Não cabe à administração presidencial fazer qualquer avaliação. Isto deve ser feito por profissionais. A superioridade no ar durante a nossa operação especial é um facto absoluto."
Kiev não confirmou nem negou estar por detrás do ataque, com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, a dizer que "não possuía toda a informação militar". Mais tarde, recusando-se a confirmar ou a negar o ataque, o Ministério da Defesa ucraniano disse que Kiev está a desenvolver uma operação para "repelir o inimigo", e "isto não significa que a Ucrânia deva assumir a responsabilidade por todos os erros de cálculo, por toda a catástrofe e acontecimentos em solo russo".
Horas depois, a agência russa TASS disse que um projétil de artilharia lançado da Ucrânia caiu na vila de Nikolskoye, também na região de Belgorod.
As conversações entre dirigentes ucranianos e russos foram retomadas em videoconferência, mas Moscovo advertiu de que o ataque de helicópteros iria dificultar as negociações. "Claro que isto não é algo que possa ser entendido como criador de condições confortáveis para a continuação das negociações", disse Peskov, que durante a semana havia dito "não ter havido avanços".
Mais uma vez as autoridades russas voltam a falar em tons opostos, com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, a dizer na visita à Índia que "foram feitos progressos"nas conversações, as quais "devem continuar". Esta duplicidade reforça a ideia dos peritos de que as conversações são um pretexto para encobrir a retirada de Kiev e Chernihiv, bem como de Chernobyl.
O chefe da agência ucraniana responsável por Chernobyl, Yevhen Kramarenko, confirmou que as forças russas tinham deixado a central nuclear que ocuparam dias depois da invasão. A caminho do local vai o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), Rafael Grossi, para liderar uma missão de assistência e segurança.
Grossi disse ter falado com responsáveis pela energia nuclear na Ucrânia e na Rússia e não confirmou os relatos de que as tropas russas se tenham retirado devido à exposição a radiação nuclear. E explicou que a radiação em redor da central era "bastante normal", mas que havia "um nível localizado relativamente mais elevado devido ao movimento de veículos pesados". Para o chefe da diplomacia da Ucrânia, "o governo russo comportou-se de forma irresponsável e expôs os seus compatriotas à radiação".
A Alemanha autorizou a República Checa a entregar 58 tanques ao Exército ucraniano, que originalmente pertenciam à ex-República Democrática Alemã. Equipados com canhões e metralhadoras, os BMP-1 foram produzidos na União Soviética e faziam parte do equipamento-padrão dos Exércitos dos países do antigo Pacto de Varsóvia.
Após a reunificação alemã, os veículos de combate ficaram em posse do Exército federal alemão, que anos mais tarde vendeu mais de 400 ao Exército sueco. Por sua vez, Estocolmo contratou uma empresa checa para renovar os tanques, os quais passaram a ser conhecidos como PBV501 desde então. Mas a partir de 2005 a Suécia começou a armazenar e a vender os tanques. Estes 58 veículos foram comprados pela República Checa e deverão seguir nas próximas semanas para a Ucrânia. Em entrevista à The Economist, o presidente Volodymyr Zelensky voltou a dizer que a ajuda de que o país mais precisa é aviões de combate e tanques.