Ai Weiwei foi a 23 países para mostrar o drama dos refugiados
Tudo começou com uma viagem que o artista chinês Ai Weiwei fez com o filho à ilha de Lesbos, na Grécia. "Estávamos de férias naquela ilha maravilhosa e vimos um bote a aproximar-se, pacificamente, da costa, mesmo à nossa frente. Apontei o meu iPhone e comecei a filmar", contou numa entrevista ao jornal inglês Independent. "O que vi foi chocante e inacreditável - refugiados a saírem do barco. Não havia ninguém para recebê-los." A cena parecia-lhe "retirada de um filme, não a vida real". Os refugiados não falavam a mesma língua que os gregos e não conseguiam comunicar. Ai Weiwei ficou curioso. "E assim começou o filme." Human Flow ("fluxo humano" numa tradução literal) é um documentário faz o retrato da situação dos refugiados no mundo.
Depois da estreia mundial no Festival de Cinema de Veneza, Human Flow sido apresentado em vários países. Em Portugal ainda não há data de estreia confirmada, mas hoje o artista vai estar no Barbican, em Londres, para a estreia naquele país. Depois da exibição do documentário, Ai Weiwei estará à conversa com especialistas na questão dos refugiados.
Estima-se que mais de 65 milhões de pessoas tenham sido forçadas a deixar as suas casas para escapar à guerra, à fome e às alterações climáticas. É maior deslocação humana desde a Segunda Guerra Mundial. Neste filme de 140 minutos, Ai Weiwei dá-nos uma ideia da massa de gente que se desloca mas também conta as histórias de algumas dessas pessoas.
O artista chinês, de 60 anos, atualmente vive em Berlim e é sobretudo conhecido pelas suas instalações, de grandes proporções. Por exemplo, quando cobriu o átrio da Tate Modern com milhões de falsas "sementes" de girassol, em 2010. É bem conhecida também a sua faceta política e a luta para poder criar com completa liberdade. Na China comunista, Ai Weiwei cresceu dificuldades económicas e com uma liberdade de expressão bastante restringida. Durante a Revolução Cultural, seu pai, o poeta Ai Qing, tinha sido forçado a passar 20 anos no exílio. Antes de se tornar ele próprio um exilado, Ai Weiwei teve o passaporte confiscado e estava proibido de sair de casa.
Talvez por isso tudo, não tenha conseguido ficar indiferente ao drama dos refugiados. Quando viu à sua frente pessoas que tinham sido forçadas a deixar as suas casas e a viajar para sítios estranhos, quis ouvir as suas histórias. Seguiu os refugiados durante aquelas 70 horas até ao ponto onde tinham que se registar. Esteve com eles quando se depararam com as fronteiras fechadas e a desresponsabilização dos políticos europeus. Acompanhou-os até aos campos para onde foram enviados, sem qualquer perspetiva de refazerem a sua vida.
"Como artista, acredito na humanidade e vejo esta crise como a minha crise", explica Ai Weiwei no press kit do filme. "Vejo aquelas pessoas que saem dos barcos como pessoas da minha família. Podiam ser os meus pais, os meus filhos. Não sou diferente deles. Podemos falar línguas diferentes e ter crenças diferentes mas eu compreendo-os. Como eu, eles também têm medo do frio e não gostar de estar à chuva nem de de ter fome. Como eu, eles precisam de sentir-se seguros."
Ai Weiwei já tinha feito vários pequenos filmes de "guerrilla", que colocava online para que fossem vistos imediatamente. Mas isto era algo diferente. Queria fazer um verdadeiro documentário sobre um tema que é bastante complexo. Queria juntar histórias muito diferentes. Para isso, o artista contou com o financiamento de grandes empresas de cinema, como a Participant, Amazon Studios, Lions Gate e AC Films. Ai Weiwei aceitou todo o apoio - mas, diz, garantindo sempre que teria toda a liberdade criativa. Só assim foi possível passar de um projeto que começou por ser só ele e a sua câmara para um filme que contou com uma equipa com mais de 200 pessoas e meia dúzia de drones. E que foi filmado em 23 países, do Quénia à Malásia, passando por Israel, pelo México, por portos europeus.
"Não tenham a ilusão de que eles vêm por motivos económicos. Ninguém arrisca a vida por motivos económicos", diz. o realizador. No filme, conta histórias de pais que colocam os seus filhos em barcos e os enviam para longe para que possam ter uma hipótese de sobrevivência. É disto que se trata. "O barco chega e vemos pessoas segurando crianças que não têm pais. Os pais não têm dinheiro suficiente e, então, mandam os filhos."
Ai Weiwei tenta captar os grandes dramas mas também os pequenos dramas da vida dos refugiados. Tentar manter os telemóveis secos e carregados durante as viagens. As esperas constantes. Durante horas. Em filas. Numa das cenas, vê-se o artista a cortar o cabelo a um refugiado, porque achou que isso poderia ajudar aquela pessoa a sentir-se melhor, no meio de todo o sofrimento. "Eles são pessoas orgulhosas. Têm dignidade. Não são pedintes. Vêm para poder sobreviver." Aliás, o que mais o impressionou nestes dois anos de trabalho foi a determinação dos refugiados: "Queixam-se muito pouco. E, no meu entender, são tratados de forma desumana."
"Tudo é arte, tudo é político" - é um dos lemas de Ai Weiwei. Ao mesmo tempo que filmava, foi-se envolvendo em ações humanitárias (existe um fundo de apoio aos refugiados associado ao filme) e criando outras obras de arte que chamam a atenção para o problema dos refugiados (em 2016 tirou uma fotografia deitado na praia, como a célebre fotografia Alan Kurdi, o menino sírio que morreu numa praia da costa grega). Tornou-se a sua luta. Mesmo se às vezes é duramente criticado por se aproveitar do drama dos outros. Mais do que um documentarista, Ai Weiwei é um artista, por isso não admira que junte os factos reais com excertos de poesia, a adversidade com as gargalhadas. Como é que se mostra uma realidade tão terrível com imagens de uma beleza inegável? Assim mesmo. Ai Weiwei diz que se pode encontrar a "beleza na mais difícil das situações; na tragédia e na crise... essa beleza é brutal porque é muito indiferente" a tudo o resto.