Agradecer às ondas a semana perfeita que Peniche tem

A décima edição do Meo Rip Curl Pro foi ganha por Ítalo Ferreira. Da primeira vez a água levou o palco, mas esse foi o único percalço de uma história de sucesso. Prova de 2017 foi vista por 65 milhões na internet. O fundador de Supertubos explica tudo.
Publicado a
Atualizado a

Em outubro de 2009, a praia de Supertubos, em Peniche, recebeu pela primeira vez os melhores surfistas do mundo e entrou para o calendário do circuito mundial de surf. "Parecia um evento daqueles de luxo, cheio de coisinhas daqui e dali", explicou ao DN Francisco Spínola, responsável da World Surf League (WSL) na Europa, África e Médio Oriente e que na altura trabalhava na Rip Curl.

Parecia estar tudo dentro da normalidade para receber a prova, mas houve um pequeno pormenor que escapou à organização: a estrutura/palco foi montada sobre a areia e acabou por ser destruída pela força da água. "Não podíamos ter começado da pior maneira, mas acabámos por fazer tudo em tendas improvisadas e o sucesso foi brutal", contou Spínola, que nove anos depois continua a organizar o evento, cuja 10.ª edição terminou este sábado.

Nesse ano de estreia (a prova foi ganha por Mick Fanning, que acabaria por se sagrar campeão do mundo), e porque no surf as ondas mandam, foi necessário recorrer a mais três praias penicheiras. "Isso mostrou a nossa versatilidade, que é uma das características que mantêm aqui a prova. A WSL percebeu que tem aqui os parceiros ideais. Seguimos o lema deles, que é ter "os melhores surfistas do mundo nas melhores ondas do mundo". Andámos atrás das ondas para os meter lá", explica o responsável.

Além das famosas ondas, há outras características que levam a WSL a apostar na etapa de Peniche? A resposta não podia ser mais clara: "Não podemos esquecer algo fundamental. Esta prova é muito bonita e bem organizada, com investimento, mas sem uma onda de qualidade internacional e os melhores surfistas do mundo não estaria aqui." Francisco Spínola acredita, estando já confirmada a edição de 2019, que a prova está para ficar por muito mais anos, e que números como os "65 milhões de pageviews" no site da WSL durante a edição de 2017 ajudarão a que tal se concretize.

As ondas, sempre as ondas...

Bruno Bairros tem a escola de surf mais antiga de Peniche, há 25 anos no Baleal, e o surf camp propriedade de um português mais antigo também. É surfista, conhece Peniche e as ondas. E acompanhou desde sempre a etapa do circuito mundial, destacando as ondas de "classe mundial" de Supertubos, mas também a consistência do mar de Peniche, como características essenciais para a cidade continuar a receber o evento.

Uma competição como esta, e por onde já passaram surfistas como Kelly Slater e Adriano de Souza, não traz apenas umas dezenas de surfistas ao mar, milhares de pessoas à areia e milhões de pessoas aos ecrãs. "Mesmo que todos os operadores turísticos de Peniche se juntassem, e são várias dezenas, e investissem todos em conjunto, demorariam uns vinte anos a reunir o investimento necessário para a projeção que a etapa dá a Peniche", garante Bruno Bairros. E a mais-valia é clara: "A projeção de Peniche como destino de surf."

O fundador de Supertubos

Rui Alexandre Ramos, 63 anos, tem um café em Supertubos há 35. No final dos anos 60, início dos anos 70, era a praia da sua "juventude", mas quase ninguém ia para lá. Os que por lá apareciam, "apanhavam carreiras", o que agora é bodysurf. Depois, começaram a aparecer os primeiros surfistas "australianos e sul-africanos". Mas estava ainda longe de imaginar que a praia ia ter o mediatismo de hoje em dia.

Na altura, Rui resolveu ir à Capitania de Peniche para abrir um bar, com dois sócios, baseado no que viu na "Europa e no mundo". "Onde fica?", perguntou-lhe o capitão. Rui disse-lhe que queria que a zona, que nos arredores era conhecida como Medão Grande, se chamasse Supertubos, porque os tubos do mar daquela praia não eram "grandes", como diziam os "estrangeiros". Eram "super". "Não pode ser", disse o capitão.

"Ponha lá esse nome que se der problema nós mudamos", respondeu Rui. Repetiu a frase na Câmara Municipal. E foi repetindo, até que ficou. Mas não deixou cair o nome Medão Grande, que ainda aparece.

O homem que acompanhou de perto as dez edições da etapa de Peniche recorda como único problema a já referida história da estrutura/palco na areia, logo da primeira vez. De resto, fala numa "história perfeita".

Em nove anos, e chegando à 10.ª edição, não vê "nada de negativo" que a prova tenha trazido para a terra e para a praia. "A notoriedade que a prova dá a Peniche e a Supertubos é impagável e incalculável", garante. Lamenta, no entanto, "que a terra não tenha acompanhado a projeção e lhe falte alguma dignidade". "Devia haver eventos paralelos que levassem as pessoas para dentro da cidade, porque Supertubos fica às portas de Peniche. As pessoas lamentam isso", acrescenta. "Sem falsa modéstia" diz ainda sentir um grande "orgulho" em ver que a praia à qual dedicou uma "vida inteira" tem um mediatismo tão grande.

Quanto ao negócio em torno da competição, admite que a etapa do mundial de surf é "ouro sobre azul". "A época balnear acaba em setembro...", refere. O turismo é notório, não fosse Peniche terra de surf e de mundial da modalidade, e Rui Alexandre Ramos conta que, por isso mesmo, "90% dos clientes o ano todo são estrangeiros". Problemas? Nunca. "As pessoas são educadas, têm poder de compra e o ambiente é extraordinário."

O "Algarve do Oeste"

Ainda em Supertubos, mas já mais longe da área da competição, está o café de Joaquim Viralhadas, 37 anos, nascido e criado em Peniche. Tem o espaço desde 2016 e é a terceira etapa do mundial de surf que acompanha de perto. Destaca "mais envolvimento da comunidade, principalmente penicheira, porque o resto já se sabe, a publicidade faz o resto".

Enaltece também a qualidade do mar de Peniche para o surf, porque é óbvio que os "melhores surfistas querem as melhores ondas". "Esta praia ganhou muito mais vida com o surf", frisa.

Joaquim admite que a terra podia fazer mais, e que "há coisas a melhorar". "Mas não podemos ser radicais ao ponto de dizer que isto [a etapa] é mau para a terra", afirma. "Vivo no meio do ramo hoteleiro desde os 9 anos. Podia ser melhor? Podia, não temos as condições de outros concelhos. Mas temos o mais importante: as pessoas que vêm a Peniche. Cabe às autoridades evoluírem isto, porque temos tudo para ser o Algarve do Oeste", garante.

Ferreira venceu a etapa

O Moche Rip Curl Pro 2018 acabou por ser ganho pelo brasileiro Ítalo Ferreira que na final venceu o francês Joan Duru, naquela que foi uma surpresa para alguns, que esperavam que ficasse decidido o título de campeão do mundo.

Gabriel Medina, brasileiro de 24 anos que na quinta-feira teve o apoio de Neymar, precisava de vencer a etapa para se sagrar campeão mundial pela segunda vez, depois de o ter sido em 2014. Com a eliminação do compatriota Filipe Toledo e do australiano Julian Wlson, a vitória dava-lhe o título.

A etapa de Peniche teve a participação de três portugueses. Miguel Blanco e Vasco Ribeiro, convidados, ficaram pela 2.ª ronda, e Kikas, presente na elite mundial, foi eliminado na 4.ª ronda, onde esteve Gabriel Medina.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt