Agente de execução desviou 2,5 milhões em oito mil processos
Aurora Boaventura, 55 anos, dois escritórios em Lisboa, deixou de ser, na quarta-feira, uma das agentes de execução mais solicitadas na Grande Lisboa para passar a ser arguida por crimes como peculato, falsidade informática e branqueamento de capitais. Terá sido autora de uma das maiores fraudes até hoje cometidas por um solicitador, tendo, alegadamente, desviado pelo menos 2,5 milhões de euros de oito mil processos de penhoras que estavam a seu cargo.
Os lesados são todos credores particulares, em número ainda por apurar, e o Estado, num montante total que ainda está por apurar.
A suspeita terá desviado verbas alterando o NIB (Número de Identificação Bancária) de credores para contas controladas por si em processos de execução que remontam a dois e três anos. São, portanto, posteriores à detenção do seu antigo sócio, António Gomes da Cunha, ex-presidente da Câmara dos Solicitadores, preso pela PJ há cinco anos pelos mesmos crimes. Segundo apurou o DN, os indícios no caso de Aurora Boaventura são ainda mais fortes do que os encontrados no inquérito em que é visado Gomes da Cunha.
A operação contra a solicitadora contou com a colaboração da Comissão Para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), o órgão fiscalizador do setor.
Sinalização feita pela CGD
A investigação da PJ começou no último trimestre de 2015, depois de uma sinalização dada pela Caixa Geral de Depósitos que detetou movimentos financeiros suspeitos efetuados pela agente de execução.
Detida na quarta-feira em sua casa pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ, Aurora Boaventura tem agora imóveis arrestados por ordem do Ministério Público e saldos bancários apreendidos. O objetivo é tentar cobrir grande parte da verba milionária de que se terá apropriado, adiantou ao DN fonte da Judiciária. A PJ tambémfez buscas nos seus dois escritórios na Grande Lisboa e apreendeu documentação relevante para a investigação.
A agente de execução terá superado a marca deixada pelo antigo sócio, António Gomes da Cunha, ex-presidente da Câmara dos Solicitadores,expulso da profissão por suspeita de se ter apropriado de meio milhão de euros dos processos de execução para saciar o seu vício do jogo em casinos. O despacho de acusação do Ministério Público contra Gomes da Cunha pelo crime de peculato (desvio de dinheiro público por funcionário), foi divulgado a 18 de janeiro deste ano.
Ainda mais recente e também com um cargo notável no ramo, foi detido há um ano (a 28 de janeiro de 2015), na sua casa de Cascais, o então presidente da Associação dos Agentes de Execução, Francisco Duarte. Este, que tinha um escritório em Lisboa e outro em Tondela, terá desviado o mesmo montante que o colega António Gomes da Cunha, isto é, meio milhão de euros. Também era um dos nomes mais respeitados do setor.
37 expulsos em dois anos
Entre 2012 e 2014 a Câmara dos Solicitadores expulsou 37 profissionais por atos ilegais durante ações de penhora. "São 37 em 1400 agentes de execução", lembra o presidente da Câmara dos Solicitadores, José Carlos Resende. "A conclusão dos processos disciplinares antes do desfecho dos processos crime aconteceu na esmagadora maioria dos casos, com três ou quatro exceções", garante.
O responsável lembra ainda a utilidade da profissão:"Todos os anos são transferidos para o Estado 700 milhões de euros através de processos de penhoras".