Afinal, para que serve o teatro em tempos de guerra?

Estreia-se amanhã a peça <em>Neva</em>, de Calderón e encenada por João Reis, no Teatro Carlos Alberto, no Porto
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Lá fora há gente a morrer. E corpos a boiar no Neva, o rio que atravessa a cidade de São Petersburgo. A data, 9 de janeiro de 1905, ficará na história como o Domingo Sangrento, um dos marcos da Revolução Russa. Lá dentro, numa sala de ensaios do teatro, três atores - duas mulheres e um homem - esperam pelos restantes colegas.

Mas aqueles que faltam talvez nunca cheguem. Talvez até já tenham perdido a vida na batalha que se vai travando pelas ruas. Uma das atrizes é Olga Knipper (Lígia Roque), viúva do escritor Anton Tchékhov, falecido, vítima de tuberculose, há apenas seis meses. Ela, figura cimeira do Teatro Arte de Moscovo, está em São Petersburgo como atriz convidada para participar na peça O Cerejal, escrita pelo marido. Junto a si, na sala de ensaios, estão Aleko (Cristóvão Campos) e Masha (Sara Barros Leitão), dois atores do teatro de São Petersburgo. Este é o pano de fundo de Neva, peça escrita em 2006 pelo dramaturgo chileno « Calderón, que amanhã estreia no Teatro Carlos Alberto, no Porto.

Mas a peça não é sobre a Rússia, nem sobre os bolcheviques. O contexto histórico e os acontecimentos de 1905 são apenas um pretexto para Calderón falar da sua terra natal: "Escrevi Neva porque os últimos 40 anos da História do Chile foram definidos pela revolução falhada do governo socialista de Salvador Allende. Depois do golpe de Estado de 1973, os corpos também flutuaram por um rio, o Machopo, no centro de Santiago. A partir desse momento, refugiámo-nos nu-ma vida doméstica, enquanto lá fora acontecia tudo o que acontece numa guerra."

A Rússia, em Neva, não é mais do que um espelho do Chile nos anos 70. E talvez um reflexo de muitos outros lugares. Esse é pelo menos o entendimento de João Reis, que assina a encenação da peça. "É uma metáfora extensível a muitas outras zonas de conflito, a muitos outros rios igualmente sangrentos na Europa de hoje. Podemos facilmente imaginar que aqueles três atores estão, por exemplo, numa sala de ensaios em Atenas e que lá fora está a começar uma revolução", sublinha o encenador em conversa com o DN.

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