AfD, de partido contra o euro às ligações ao neonazismo
Em agosto de 2018, durante as festas da cidade de Chemnitz, na Saxónia, o assassínio à facada de um alemão de 35 anos por um iraquiano (o principal suspeito, que fugiu) e um sírio (condenado a nove anos e meio de prisão) marcou um ponto de viragem em relação à Alternativa para a Alemanha (AfD), pelo que ocorreu na semana seguinte. Horas depois começou uma caça ao imigrante nas ruas daquela cidade da Alemanha de leste, perante a incapacidade ou passividade policial.
Depois de as festas terem sido canceladas, as ruas foram tomadas durante uma semana por protestos da extrema-direita. Às manifestações marcadas pela AfD, e ao lado de figuras gradas do partido, marcaram presença dirigentes de organizações extremistas e milhares de neonazis de todo o país, não raras vezes em confrontos com contramanifestações dos grupos antifa. Além da homenagem à vítima (e a outras da criminalidade) e das palavras de ordem do partido, como "Resistência" ou "Merkel fora", os manifestantes gritaram um slogan nazi ("livre - social - nacional") e alguns fizeram a saudação nazi, proibida naquele país.
As imagens chocaram a Alemanha e em outubro as autoridades prenderam oito elementos neonazis suspeitos de preparar atentados terroristas. O papel da AfD no meio de uma semana de protestos e de violência alimentada por um discurso de ódio não passou despercebido, até porque então como agora é o maior partido da oposição no Bundestag. E foi também o momento de maior popularidade - 18% nas sondagens.
Enquanto alguns alemães pediam para os dirigentes da AfD se demarcarem do sucedido, o Partido Social Democrata (SPD) e os Verdes pediram a vigilância das atividades e dos militantes por parte do Departamento de Proteção da Constituição Alemã. "A AfD deixou definitivamente cair a máscara do respeito pela democracia por detrás da qual se tem vindo a esconder", dizia a então líder do SPD Andrea Nahles.
Fundado em 2013 pelo professor de Economia Bernd Lucke e outros 17, conhecido então como o partido dos professores, a Alternativa pela Alemanha tinha acima de tudo uma retórica contra o euro e o establishment partidário, embora já então criticasse as políticas migratórias.
À crise da moeda única juntou-se o maior combustível para o crescimento do partido: a crise dos refugiados, em 2015, quando Angela Merkel deu ordem de entrada a quase um milhão de pessoas, entre refugiados e migrantes, para horror de uma franja da população, a começar por colegas de partido da chanceler. Nasce a fação Flugel (a Ala), liderada por Björn Höcke, líder do partido na Turíngia, e a retórica torna-se mais musculada. Em 2017, Frauke Petry é substituída na liderança por Alice Weidel e Alexander Gauland, o homem que menorizou os crimes nazis e o Holocausto ("caca de pássaro em mais de mil anos de história de sucesso").
O partido alcança 12,6% nas eleições parlamentares e elege 94 deputados em 709. Mas os eventos em Chemnitz virão marcar o partido, cuja radicalização leva a que só três dos 18 fundadores permaneçam. O ministro dos Negócios Estrangeiros Heiko Maas apelava à mobilização contra a normalização do discurso xenófobo. "Temos de superar a passividade instalada na nossa sociedade. Está na hora de sair do sofá e protestar em voz alta", disse o social-democrata.
Desconhece-se se em resultado dos apelos do SPD e dos Verdes, mas o certo é que, já em setembro de 2018, o órgão estadual pela proteção constitucional deu início a uma investigação a Höcke pela participação nos protestos de Chemnitz. Em novembro, na Baixa Saxónia, a juventude partidária local foi dissolvida na sequência de uma decisão do tribunal estadual. E em janeiro de 2019, o Departamento de Proteção da Constituição Alemã anunciou que a AfD era "um caso a ser investigado" a nível nacional. Depois de mais de dois anos, nos quais o partido tem lutado nos tribunais contra a sua vigilância, na quarta-feira os media alemães anunciaram que o partido está sob vigilância. Na prática, esta escalada permite aos agentes mais poderes para monitorizar os militantes, incluindo escutas e acesso a comunicações.
"Esta é uma tentativa deliberada de reduzir as oportunidades eleitorais da AfD com a ajuda dos serviços secretos nacionais", disse o partido numa declaração, acusando a imprensa alemã de divulgar a notícia para prejudicar a sua campanha.
A decisão surge quando a Alemanha entra no que a imprensa apelida de Superwahljahr, um ano com uma série de eleições estaduais antes das eleições federais, em setembro, que marcarão o fim de 16 anos de Angela Merkel no poder, mas também, numa perspetiva europeia, um dia depois de o grupo de extrema-direita Génération Identitaire, com uma agenda contra a imigração, ter sido dissolvido pelo governo francês.
A Ala
Em março do ano passado, depois de o Departamento de Proteção da Constituição ter concluído que a fação do partido Flugel (Ala) é um movimento que "procura minar a ordem democrática livre", a AfD determinou o fim da dita. No entanto, quase todos os membros continuam no partido, pelo que a investigação prossegue. Se esta concluir que a AfD tem a intenção de destruir a democracia, o governo poderia procurar que o partido fosse banido junto do Supremo Tribunal.
Financiamento ilegal
Uma empresa farmacêutica suíça transferiu 130 mil euros e uma fundação dos Países Baixos 150 mil euros para a campanha da então líder Alice Weidel, em contravenção às leis eleitorais. Mais tarde soube-se que outros dirigentes, como o atual co-líder Jörg Meuthen, receberam outras quantias. Em novembro, a justiça alemã obrigou o partido a pagar multas no valor de meio milhão de euros, noticiou o Tagesschau.