Aeroporto. Seguranças e Prosegur em litígio por causa de horários
"Sou pai e mãe da minha filha e agora tive de a levar para o Porto para casa de familiares para tomarem conta dela. E ainda estou em risco de ficar sem casa em agosto." Com um tom de voz calmo, mas em que se percebe o desespero de quem está envolvido numa disputa jurídica - traduzida em duas ações, nos tribunais de Lisboa e Barreiro - que tem feito que não cumpra horário de trabalho e praticamente não receba ordenado, este funcionário da Prosegur é um exemplo do que se passa com várias dezenas de colegas que estão colocados no Aeroporto Humberto Delgado (Lisboa). O grupo de vigilantes aeroportuários está impedido desde 1 de junho de cumprir o horário de trabalho que tinham combinado com a empresa depois de serem autorizados a ter um horário flexível - previsto no Código do Trabalho - para puderem acompanhar os filhos menores de 12 anos seja por serem os únicos encarregados de educação das crianças, seja por estes precisarem de cuidados especiais ou terem mesmo incapacidades.
A empresa reconhece que as regras foram mudadas a 1 de junho, mas ao DN justificou essa decisão com o facto de estar a "assistir a um crescente número de pedidos, por parte dos vigilantes aeroportuários (APA), no aeroporto de Lisboa, de horários de trabalhos condicionados. Esta situação de acumulação de limitações e direitos de só trabalhar em determinados dias da semana e em determinado intervalo de horário de trabalho ao longo do dia, tornou-se inconciliável pelo fenómeno de enorme acumulação que foi gerado em certos horários - especificamente dos de segunda a sexta-feira, das 08h00 às 16h00 - uma vez que as operações de segurança aeroportuárias decorrem todos os dias do ano, vinte e quatro horas por dia, de forma a responderem à realidade de funcionamento do próprio aeroporto, que é determinada pelo número de voos, fluxo de trânsito de passageiros, tripulações, staff e bagagens".
No entanto, muitos dos trabalhadores têm junto ao seu processo de pedido de horário flexível - por exemplo, só trabalhar durante a noite ou não trabalhar aos fins de semana e feriados - pareceres da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego a recomendar à empresa que aceite esse pedido. Num desses documentos a que o DN teve acesso, está escrito que a CITE emitiu um "parecer prévio desfavorável à recusa de prestação de trabalho em regime de horário flexível requerido pelo trabalhador [...] porquanto não foram demonstradas as exigências imperiosas do funcionamento do serviço de vigilância no cliente onde exerce funções o requerente, ou a impossibilidade de o substituir, que justificassem a recusa do pedido formulado".
Este parecer foi aprovado por maioria dos membros da CITE presentes numa reunião da entidade no final do ano passado, tendo votado contra os representantes da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, da Confederação Empresarial de Portugal e da Confederação do Turismo Português.
Questionado pelo DN sobre se existem mais processos entregues na Comissão, a instituição respondeu que emite recomendações sobre os temas que lhes são remetidos e que o eventual incumprimento dos seus pareceres, "nomeadamente os emitidos sobre regimes de horário no âmbito da parentalidade, é verificado pelos serviços inspetivos legalmente competentes".
A alteração de horários, alguns a vigorar há mais de um ano, aplicada em vigor desde 1 de junho não teve o acordo dos trabalhadores envolvidos que se têm apresentado para cumprir o horário antigo e têm sido impedidos de o fazer alegando a empresa, garantem ao DN, que tinham de se apresentar a outra hora ou que estão de folga. A firma de segurança reconhece que implementou novos horários, mas garantiu que "num esforço para acudir à necessidade de conciliação deste tipo de horários condicionados, por um lado, e atendendo ao previsto no Código Civil em sede de colisão de direitos, por outro, a partir do passado dia 1 de junho, a Prosegur passou a ratear o gozo dos referidos direitos em termos de horário de trabalho de cada um dos APA abrangidos por aqueles horários".
Um rateio contestado pelos funcionários - muitos estão de baixa médica ou a acumular faltas, pois não estão a cumprir os tempos de trabalho apresentados pelas novas escalas tendo já ultrapassado as ausências admissíveis por lei - que frisam não terem concordado com as mudanças e que tal decisão só pode ser implementada com o seu apoio, ou então com decisão de um juiz.
O que está agora a ser alvo de ação judicial em dois locais diferentes: em Lisboa a questão de a empresa ter optado por fazer o rateio dos horários e no Barreiro o facto de haver um choque entre os direitos dos trabalhadores que podem pôr o funcionamento da empresa no aeroporto em causa. No primeiro caso, houve uma sessão na semana passada e a próxima está agendada para outubro.
"Eu e mais 68 colegas de trabalho temos dois processos judiciais por termos exercido o nosso direito de horários flexíveis por parentalidade. Temos todos pareceres da CITE, seja por sermos mães solteiras ou termos filhos com incapacidades ou necessidades especiais, e o horário pedido foi aceite pela empresa. Mas depois [a Prosegur] decidiu mudar os horários, impossibilitando-nos de ter uma vida familiar estável", acusou um outro elemento ouvido pelo DN. Que adianta estar a empresa a pedir aos outros funcionários para fazerem horas extras de forma a cobrirem os horários dos vigilantes impedidos de ocuparem o posto de trabalho.
"Desde 1 de junho, muitos de nós têm visto ser recusada a sua entrada ao serviço, e com mais de dez faltas e mais de dez recusas de entrada ao serviço não nos despedem, pois vergonhosamente fizeram disto uma questão pessoal. Resultado, nem 100€ de vencimento nem subsídio de alimentação houve neste mês", acrescentou deixando uma pergunta: "Dizem ter 800 funcionários e nesse grupo não conseguem flexibilizar os horários a 69?"
A estas questões a Prosegur não responde diretamente, preferindo lembrar que é uma "empresa com responsabilidades sociais, líder em soluções de segurança integrada, uma das maiores empregadoras a operar em Portugal. De forma a consolidar todo este processo, foram realizadas sessões de esclarecimento aos nossos colaboradores, que muito contribuíram para uma resposta positiva a esta medida".
Diz ainda que esta alteração de horários permitiu "à maioria dos profissionais visados usufruírem do maior número de vezes possível dos respetivos horários condicionados sem sobrecarregar/prejudicar os restantes colaboradores. Apenas um grupo muito residual de vigilantes aeroportuários não está, neste momento, a exercer funções segundo a nova distribuição de horários".
O certo é que o DN teve acesso aos pareceres da CITE, em que é explicado à empresa que não pode recusar horários flexíveis por parentalidade, e aos documentos assinados pelos responsáveis da PSP da esquadra do aeroporto, em que foram apresentadas queixas contra a Prosegur por esta não disponibilizar aos funcionários impedidos de entrar ao serviço no seu antigo horário o livro de reclamações.