A quatro meses das eleições para a Ordem dos Advogados (OA), a classe está profundamente dividida e o motivo não são as propostas dos candidatos, de que pouco se fala, mas a forma como os mais de 32 mil advogados vão exercer a sua obrigação: o voto eletrónico. Ou simplesmente por "voto online", como lhe chama uma das concorrentes ao cargo de bastonário..Nas últimas semanas, o tema foi motivo de artigos de opinião na imprensa, favoráveis e críticos, e na segunda-feira foi ponto único numa assembleia geral que terminou com a aprovação da proposta do Conselho Geral liderado por Guilherme Figueiredo, por 231 votos: 988 advogados concordaram com a ideia e 757 estavam contra..Assim, nos dias 27, 28 e 29 de novembro, os advogados vão poder entrar no site da Ordem e, depois de os seus códigos de acesso serem validados, farão as suas escolhas para a liderança da OA para o triénio 2020-2022..Atualmente, há seis candidatos conhecidos: o atual bastonário, Guilherme Figueiredo, o líder do conselho regional de Lisboa, António Jaime Martins, Luís Menezes Leitão, Ana Luísa Lourenço, Isabel da Silva Mendes e Varela de Matos. Destes, quatro já disseram não concordar, não com a utilização do sistema eletrónico para votar, mas com o momento em que este sistema vai ser usado. Aliás, o único totalmente a favor é o atual líder da OA.."O principal problema nesta proposta foi ter sido apresentada em cima das eleições e sem preparação suficiente. Apesar de haver membros no Conselho Geral a informar no Facebook que já havia uma empresa escolhida, o bastonário esclareceu na assembleia que nenhuma empresa tinha sido contratada. Parece-nos que, estando a Ordem dos Advogados sujeita às regras da contratação pública, será muito difícil ter todo o processo a funcionar até novembro", adiantou ao DN Luís Menezes Leitão. Advogado que diz esperar que "tudo corra bem uma vez que o regulamento eleitoral aprovado já não admite outra forma de voto, pelo que, se falhar a implementação deste sistema, todo o processo eleitoral poderá ficar posto em causa", acrescenta..Receios que Guilherme Figueiredo afasta. Em declarações ao DN, o bastonário lembra que o sistema já foi testado no congresso dos advogados e que os atuais órgãos da OA trabalham nesta iniciativa, que fez parte do seu projeto eleitoral, desde fevereiro de 2018. "Primeiro [as críticas] era que o voto não era fiável. Depois passou para não ser oportuno [a entrada em vigor]. Houve uma mudança no modo de atacar o voto eletrónico. Depois, há os que criticam por receio e essas são críticas positivas, pois alertam para algumas questões que procurámos resolver", sublinha..O líder dos advogados sabe que o assunto não é pacífico - "a proposta foi votada por maioria e não por unanimidade", reconhece -, mas prefere destacar o facto de ir ser constituída uma "comissão eleitoral", que vão ser utilizados "centros tecnológicos da empresa que iremos contratar. E o advogado, depois de votar, imprime um recibo com um número que lhe dá a possibilidade de confirmar se o seu voto foi contabilizado"..Guilherme Figueiredo garante que haverá um controlo rigoroso - "vão ser distribuídas chaves [códigos] que possibilitarão a cinco pessoas confirmar o processo no final da eleição" - e chama a atenção para o facto de este sistema, "além do conforto e da facilidade" que proporciona, também ser "mais barato" do que o voto em papel..O bastonário garante que, apesar de "80% dos colegas votarem por correspondência [na OA o voto é obrigatório], será possível fazê-lo presencialmente nos vários conselhos regionais e em Lisboa no Conselho Geral"..Frisa ainda que será possível aos advogados votar para os vários órgãos e também para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores. "Vai também ser possível invalidar o voto, colocando uma cruz na caixa respetiva", salienta..Certo, para Guilherme Figueiredo, é que o "Conselho Geral vai ficar como um marco em mais esta alteração estruturante na Ordem dos Advogados. Não percebo porque não o devíamos fazer [voto eletrónico], é importante que a Ordem não fique presa a processos que não ajudam os colegas a trabalhar", refere..E se for preciso recontagem?.A verdade é que esta iniciativa do Conselho Geral provocou uma divisão entre os advogados. Como é o caso de Ana Luísa Lourenço, uma dos seis candidatos conhecidos ao cargo de bastonário nas eleições de novembro, que na assembleia geral disse que só concordaria com o voto eletrónico se este fosse "efetivamente um sistema de voto eletrónico, isto é, presencial e numa mesa ou secção de voto"..Defendeu esta ideia adiantando que só assim estariam asseguradas a "fiabilidade e a segurança do sistema, pois, a começar pelo facto de as urnas eletrónicas estarem offline, não haveria ligação à internet, para não permitir qualquer interferência exterior". Queria ainda que o advogado ao votar recebesse o voto impresso para que o colocasse numa urna. E explicou a razão desta última posição: "Tais votos em papel na urna permitiriam ser escrutinados em caso de dúvida ou de reclamações no apuramento final." Ou seja, como confirmou ao DN, "seria possível haver uma recontagem. Assim não será possível"..Perante tal cenário, este não é um "voto eletrónico, mas sim um voto online", diz..É, assim, uma Ordem dividida e enredada na discussão sobre o voto eletrónica a que nos dias 27, 28 e 29 de novembro vai escolher o bastonário, com a segunda volta - caso ninguém consiga 50% dos votos mais um - prevista para 11, 12 e 13 de dezembro. Uma separação de ideias reconhecida por Luís Menezes Leitão: "De facto, a classe está profundamente dividida e a vitória foi escassa, tendo resultado de órgãos da Ordem terem andado a solicitar procurações aos advogados, usando os e-mails da Ordem para esse efeito, o que não nos parece correto.".Lembra que dos "988 votos obtidos pela proposta que fez vencimento, 600 resultaram da própria mesa da assembleia, uma vez que o bastonário e os outros membros da mesa traziam no conjunto 600 procurações que utilizaram a seu favor. Dos advogados que estiveram presentes na assembleia, a esmagadora maioria votou contra esta proposta de regulamento eleitoral". Perante esta atitude, considera: "Não foi esta a melhor forma de resolver uma disputa democrática numa assembleia geral da Ordem. Mas a proposta foi aprovada e há muitos outros problemas que afligem os advogados e que merecerão seguramente toda a nossa atenção até às eleições.".Ideia que também é destacada por Isabel da Silva Mendes, igualmente candidata a bastonária. Esta advogada, que votou contra a alteração ao regulamento eleitoral, enumera os temas que considera mais importantes: "A sustentabilidade da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores; a violação do sigilo profissional, questão abordada no Regulamento de Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, que, sem justificação, acabou por cair na última assembleia geral de 28 de junho para esta de 29 de julho; as quotas atuais da OA, que estão bem acima das restantes ordens profissionais, e isso não se reflete em benefícios evidentes para a classe; ou a prática da outorga ilimitada de procurações, que desvirtua as votações nas AG e perpetua a ausência dos advogadas no dia-a-dia da Ordem.".Quanto à questão do voto eletrónico, salienta não ter nada "contra a admissão da votação eletrónica, mas exijo que seja feita de forma digna, tanto no respeito do direito eleitoral como da segurança tecnológica, o que levanta automaticamente diversas questões/preocupações". Como a "imposição em exclusivo, nomeadamente do bastonário, da votação eletrónica não presencial, o que exige acrescida segurança, conformidade legal e tecnológica para validade do resultado eleitoral, incluindo eventuais recursos, tudo condições elementares da proteção de dados pessoais dos eleitores, que não se encontram devidamente asseguradas"..Já o seu voto contra o regulamento eleitoral na assembleia geral de segunda-feira foi justificado ao DN com o facto de não ter sido aceite uma moção que apresentou. "O presidente da assembleia geral/bastonário-candidato recusou prosseguir com o processo de adoção ou rejeição da Proposta de Recomendação. Chamada a atenção [pelos autores da moção] de que tal poder não lhe pertencia mas sim à assembleia, referiu: 'Decidi, já está decidido.' Uma vez que na intervenção que fez não esclareceu qualquer das questões colocadas, os signatários da proposta foram obrigados a votar contra a Proposta de Regulamento.".Também o presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem e candidato a bastonário António Jaime Martins levantou dúvidas sobre a segurança do voto eletrónico.