Advogado de vítimas diz que há arguidos por julgar
O desmentido de algumas testemunhas da Casa Pia pode inverter o processo?
Neste momento há dois processos Casa Pia. O processo foi separado na decorrência de uma nulidade. Não entendo que estes desmentidos possam vir a influenciar, porque só após o trânsito em julgado é possível, através de um recurso extraordinário de revisão, suscitar uma alteração que possa levar a absolvição - e se existirem provas novas e cabais. É preciso ver que estas vítimas são pessoas muito frágeis e é fácil dar-lhes a volta. Quer uma das vítimas quer o arguido Carlos Silvino disseram uma coisa na entrevista e outra em tribunal. Isto contrariou muito a sua postura ao longo do julgamento, de afirmação, de explicar como foi.
Falou com a vítima Ilídio Marques depois do desmentido em tribunal?
Não posso, não devo nem quero. Deixei de ser advogado dele no momento em que concedeu as entrevistas. Tentei falar com ele para o informar dessa circunstância, não consegui, e renunciei ao mandato.
Pelo menos uma vítima assumiu receber dinheiro para desmentir...
Assistentes no processo, só o Ilídio Marques é que desmentiu. Houve mais duas testemunhas, que não são assistentes (porque o tempo impediu a sua constituição como tal) que, mais tarde, vieram desmentir o desmentido. Não sei se receberam dinheiro, mas segundo dizem ter-lhes-á sido proposto dinheiro em contrapartida do desmentido, que resultaria da venda das entrevistas a um órgão de comunicação social. O valor seria repartido entre jornalista e vítimas.
Disse que as vítimas são facilmente manipuláveis... Como estão as vítimas?
São todas pessoas emocionalmente diferentes. Umas mais integradas, a estudar e a trabalhar, outras com dificuldade em permanecer no emprego ou no estudo por força dessa fragilidade. Isso está estudado, são circunstâncias que resultam das consequências do trauma. Este tipo de pessoas não consegue permanecer durante muito tempo em determinado sítio, são pessoas revoltadas.
Então não considera que o que aconteceu foi uma retratação...
Não. Foi uma circunstância do seu estado traumático, permeabilizado pela tentação de quem tem algum interesse nessa retratação. Faz-me alguma confusão que um jornalista só procure publicar entrevistas quando as vítimas negam ou fazem falsas retratações. E sei, porque os meus clientes me disseram, que este mesmo jornalista tentou o mesmo junto de outras vítimas, aparecendo em casa, à porta do emprego... Não foi bem-sucedido...
O que fizeram as vítimas com o dinheiro de indemnização que o Estado lhes deu?
Nalguns casos mudaram a vida, noutros, infelizmente, não. Onde existe mais abuso sexual reiterado, maior trauma, as vítimas gastaram o dinheiro como se ele lhes queimasse as mãos. Sempre que usavam o dinheiro lembravam-se da sua proveniência, disseram-me. Uns gastaram de forma insensata. Outros não lhe tocaram.
O arrastar do processo deve-se aos múltiplos requerimentos da defesa?
O povo utiliza uma expressão muito curiosa que é "enquanto o pau vai e vem, folgam as costas". E é normal que as pessoas, no exercício das suas defesas, utilizem os expedientes que a lei permite. É um exercício de defesa que eu não condeno, condeno é que a lei permita este tipo de expedientes. Acaba por existir neste país uma Justiça para ricos e outra para pobres. Mas o processo Casa Pia é só um exemplo...
Ao longo destes anos foi alguma vez ameaçado ou pressionado?
Não vou falar sobre isso...
Mas...
Vou-lhe dizer só isto: foi difícil (pausa), mas não vou comentar... se fui ameaçado, pressionado ou o que seja para sair...
O processo pode arrastar-se até quando?
A parte principal do processo terminará no Constitucional e transitará. Outras instâncias internacionais podem vir a acontecer, mas essas não impedem o trânsito. A parte mais pequena, que voltou agora à primeira instância, permite o recurso para a Relação e depois para o Constitucional e depois o trânsito. Exceto o Carlos Silvino, que poderá eventualmente recorrer para o Supremo. Se entendermos que houve separação, como os arguidos foram todos condenados a penas inferiores a oito anos, então apenas é permitido um recurso ordinário para a Relação e posteriormente para o Constitucional.
Há risco de prescrição?
Os primeiros crimes prescrevem em 2016, que são alguns dos mais antigos referentes ao arguido Carlos Silvino, depois começam a prescrever os outros.
Os processos extraídos do processo principal já estão todos terminados?
Não. Há um, o do Parque Eduardo VII, que envolve onze arguidos, e continua com recursos pendentes. Outros estão a terminar. Chegámos a ter ao mesmo tempo 21 a decorrer. Acabaram em condenação.
Qual o exemplo que este processo deu ao sistema judicial português?
Fez ver mais uma vez que o "rei vai nu", que os juízes não têm capacidade, porque não têm assessoria própria, que a Justiça tem de ser célere. Serviu para mostrar a permeabilidade da Justiça, demonstrar que houve pessoas que tentaram intervir, influenciando. Serviu para alertar a sociedade para um tipo de crime que é hediondo e perante o qual a sociedade não estava preparada para perceber e que não se dava o reflexo de punição efetiva. Para mudar alguma legislação. Para tornar a comunicação social mais objetiva.
Faltam arguidos no julgamento?
Faltam arguidos em julgamento, há arguidos que deviam ter sido julgados, nomeadamente o dr. Paulo Pedroso. Não se compreende como é que com a prova indiciária que existia relativamente a ele, até para lavar de uma vez por todas a sua honra, devia ter ido a julgamento. Faltou este por uma questão de entendimento do tribunal de instrução criminal e faltam outros que não foram investigados.
Falaram-lhe de nomes que não foram investigados?
Sim. E não foram os nomes que vieram no célebre álbum de fotografias que a PJ compilou. O que a PJ fez foi pegar num determinado conjunto de pessoas das áreas em que se estava a investigar, não significa que quisessem acusar algum político em especial. Estamos a falar de muitas vítimas, muita gente ouvida, foram ouvidos mais de cem alunos da Casa Pia.