ADSE. Denúncias sobre o abuso de exames no privado acabam no Parlamento

Bloco de Esquerda leu as acusações do presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares e vai chamá-lo à Comissão de Saúde
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Há quatro anos, o Tribunal de Contas deixou o primeiro alerta: "os prestadores convencionados da ADSE poderão estar a promover uma sobreutilização de meios complementares de diagnóstico". Na sexta-feira passada, a denúncia veio do presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares: "As modalidades de pagamento utilizadas pela ADSE (pagamento ao ato) e o baixo nível de controlo e auditoria favorecem a sobreprestação de cuidados, a fraude e a realização de práticas clínicas menos responsáveis", escreveu Alexandre Lourenço no DN.

Exames a mais e médicos avaliados pelo número de consultas que resultam em cirurgia são algumas das acusações. O deputado bloquista, Moisés Ferreira, considera grave a denúncia do representante dos administradores hospitalares e, por isso, vai chamá-lo à Comissão Parlamentar da Saúde, para a qual já está convocada a ministra Marta Temido e os conselhos diretivos e de supervisão da ADSE depois dos grandes grupos privados terem ameaçado denunciar os acordos.

À Comissão de Saúde, por requerimento do CDS-PP, irá também o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), Óscar Gaspar, que tem sido a voz dos grupos privados neste braço de ferro como governo - os privados recusam-se a pagar 38,8 milhões de euros exigidos pela ADSE relativos a 2015 e 2016 por sobrefaturação de medicamentos e próteses. Em alguns casos, as diferenças entre o valor mínimo e o máximo cobrado à ADSE chega aos 3000%.

Moisés Ferreira acredita que os mais de 38 milhões acabarão por ser reembolsados, até porque a PGR já deu razão à ADSE nesta disputa. Mas, na comissão, espera sobretudo perceber, através de uma fita do tempo, por que razão a ADSE e a tutela consideram agora que deve haver mais transparência e regularização da relação com os privados. "Que dados têm, que práticas conhecem, que justifique agora esta exigência."

Criticando a posição de força e "a chantagem" levada a cabo pelos grupos privados, o deputado lembra que já no ano passado estes recusaram cumprir as regras que estavam inscritas no decreto-lei de execução orçamental.

De chantagem tem também falado o PCP. Que esta terça-feira, avançou nas jornadas parlamentares, uma solução original para a contenda: os comunistas desafiaram o governo a requisitar os serviços dos hospitais privados, com base num decreto-lei de um governo provisório de Vasco Gonçalves que permite, a título excecional, "a utilização temporária de quaisquer bens, os serviços públicos e as empresas públicas de economia mista ou privadas".

Exames e cirurgias para compensar preços das consultas

Mas não é só de sobrefaturação que se fala. Enquanto decorrem as negociações entre as partes, há também acusações de uso excessivo de meios de diagnóstico e até cirúrgicos. Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, refere no artigo do DN que o baixo custo das consultas externas - em que o doente paga apenas 3,99% e a ADSE 14,47 - levaram a que os prestadores de cuidados de saúde privados tenham arranjado formas de compensar a faturação: "Assim, foram aplicando índices de conversão cirúrgica (ICC) onde os profissionais de saúde são avaliados pelo número de consultas que geram cirurgia ou mesmo meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Mais uma vez, de acordo com a evidência internacional, não será estranho observarmos que o volume prevalece sobre a qualidade, colocando em risco a segurança dos doentes."

Como exemplo de "sobreprestação de cuidados" e "práticas clínicas menos responsáveis", Alexandre Lourenço aponta o facto de mais de dois por cento dos partos no privado serem realizados por cesariana, mais do dobro das taxas do Serviço Nacional de Saúde.

Eugénio Rosa, que é membro do conselho de supervisão da ADSE, afirma igualmente no seu blogue que há faturações excessivas dos prestadores privados. E que uma das fontes, além da sobrefaturação de próteses e medicamentos, é "a prescrição de serviços de saúde que o beneficiário não necessita e que, em vários casos, até o prejudica pelos efeitos que tem no seu organismo o consumo excessivo (radiografias, TAC's, colonoscopias, etc. desnecessários). Apesar de várias tentativas, o DN não conseguiu falar com o economista da área da saúde.

E vai mais longe ao denunciar casos concretos: "Uma beneficiária entrou com uma constipação numa unidade de saúde privada e saiu com uma TAC. Os hospitais de Amarante e Guimarães do maior grupo de saúde que tem convenções com a ADSE vão buscar, fornecendo o transporte, as pessoas a Chaves, Bragança, Viseu e outras localidades mais pequenas dessas regiões. A despesa de transporte é certamente compensada pelos numerosos exames, etc., que depois fatura à ADSE. Em várias unidades de saúde privadas, os profissionais de saúde são também remunerados pela quantidade de exames e de outros meios complementares de diagnóstico que prescrevem, resistindo apenas os que têm uma consciência ética elevada, pois as pressões para prescreverem ou para atingirem objetivos quantitativos são muito grandes. Em vários casos a fatura inclui até itens não consumidos ou em duplicado", denuncia.

TC fala em prestação de cuidados sem avaliação da sua necessidade

Já a auditoria do Tribunal de Contas à ADSE refere ainda a ausência de regras de acesso aos cuidados de saúde convencionados que possam garantir uma utilização eficiente do sistema. E o resultado disso é que, além de abrir a possibilidade de um uso exagerado por parte dos beneficiários, se verificou que os privados "poderão também estar a promover uma sobreutilização de meios complementares de diagnóstico".

O documento do Tribunal de Contas aponta para um modelo de pagamento aos prestados privados que não promove a utilização eficiente do sistema e controlo da despesa: "Em regra a unidade de pagamento aos prestadores convencionados é o pagamento por ato/produto, a qual, e por não ter qualquer limitação, não transfere qualquer risco financeiro para o prestador, podendo induzir a produção de cuidados sem a avaliação rigorosa da sua necessidade."

Existem prestações de cuidados de saúde que são incluídas nos denominados "códigos abertos", que definem de modo pouco preciso e demasiado abrangente os atos/produtos neles incluídos, não apresentam um preço fixo e não têm tetos máximos definidos, características que dificultam o seu controlo."

O representante dos grupos privados, Óscar Gaspar, não respondeu ao DN sobre este assunto.

Marcelo e Costa pedem bom senso

Depois da Luz, da Mello Saúde (CUF) e dos Lusíadas e do Grupo Hospitalar do Algarve terem anunciado a intenção de denunciar as convenções com a ADSE, o Presidente da República já falou, pelo menos, em duas ocasiões sobre o assunto. Esta terça-feira, Marcelo Rebelo de Sousa reiterou que, dada a sua importância para os portugueses, a ADSE não pode acabar e que é preciso bom senso para resolver o braço-de-ferro.

"Estamos todos de acordo quanto ao facto de a ADSE não poder acabar, não vai acabar e, para não acabar, é preciso que haja naturalmente bom senso e capacidade de entendimento para que se resolva aquilo que, neste momento, surgiu como um problema", sustentou, à entrada da 20ª edição do Correntes d'Escritas, na Póvoa de Varzim.

Também o primeiro-ministro descansou os beneficiários, deixando-lhes uma mensagem de confiança no sentido de garantir a continuidade da ADSE: "Os cuidados de saúde não estão em causa. Estarão integralmente assegurados, assim como está assegurada a continuidade da ADSE"

Aos grupos de saúde privados com convenção, António Costa garantiu que irá negociar com firmeza e também exigiu bom senso no diálogo.

Esta terça-feira à tarde, a ministra da Saúde reúne-se com o Conselho Geral e de Supervisão (CGS) da ADSE,

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