Adamo: o "terno jardineiro" das canções de regresso a Portugal

Entrou no cancioneiro do grande público com <em>Tombe la Neige</em> há mais de meio século. Adotado pelos franceses, nasceu na Itália e cresceu na Bélgica. Mantém-se ativo e está de volta esta quinta-feira aos palcos portugueses.
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Sonhou tornar-se futebolista ou aviador, quando fosse grande. Ou missionário, "escolha" que atribui aos religiosos católicos que teve como professores. Acabou por viver, a tempo inteiro, uma carreira como cantor, integrando uma legião de honra de adotados pela França, disposta a abrir as portas a quem chegasse de fora - juntou-se aos italianos Yves Montand (1921-1991) e Serge Reggiani (1922-2204), bem como ao belga Jacques Brel (1929-1978), responsável pela caracterização que se remodela para o título deste texto, uma vez que foi o autor de Le Plat Pays quem rebatizou Salvatore Adamo como "o terno jardineiro do amor". Adamo nasceu em Cosimo, na Sicília, a 1 de novembro de 1943, seguindo a rota profissional do pai, mineiro, em direção à Bélgica, quatro anos depois. Mantém a dupla nacionalidade: diz-se italiano por "fidelidade familiar", sente-se belga por razões óbvias. Já gravou canções em oito línguas, juntando o castelhano, o italiano, o português, o alemão, o holandês, o turco e o japonês ao francês que lhe é natural.

A biografia de Adamo aponta a 1960 para assinalar a sua estreia a sério, num concurso promovido pela Rádio Luxemburgo, que venceu. Três anos mais tarde, regista-se uma dupla estreia: aparece pela primeira vez na televisão e publica o disco que dá início a um percurso que leva agora 55 anos sem interrupções de monta, apesar de alguns percalços de saúde (um problema cardíaco em 1984, um acidente vascular-cerebral em 2004). Curiosamente, nesse EP de arranque, a mais conhecida das quatro canções salta do lado B: Sans Toi, Ma Mie. Em 1964, entra no domínio do grande público com o inesquecível Tombe la Neige. A canção dá o mote perfeito para a carreira de Adamo até aos nossos dias: romântico, com dose q.b. de nostalgia (apesar de ter vinte anos, à época...), palavras cuidadas e melodias ligeiras. Depois, como o próprio admite, a imagem terá ajudado a conquistar o auditório feminino, que ainda hoje, com o cantor a completar 75 anos poucos dias depois da sua passagem pelo palco em Lisboa, não parou de suspirar.

A "ingenuidade lúcida"

Sem pretender ombrear com os mais marcantes, Salvatore Adamo vendeu, de acordo com os números fornecidos pela sua editora, mais de cem milhões de discos. A este longo caminho, não faltou sequer uma polémica: quando lançou Inch'Allah, em 1967, pouco antes da Guerra dos Seis Dias, viu a canção ser proibida numa série de países árabes, que a julgaram pró-israelita.

Adamo explicou que a sua intenção tinha sido apresentar uma cantiga "ecuménica", uma espécie de hino à paz e de lamento pelos milhões de vidas perdidas em diversos conflitos religiosos. Acabou mesmo por gravar uma segunda versão do tema, mais conciliadora e mais neutra, mantendo a convicção de que ninguém fica a ganhar com as discordâncias elevadas a este nível. Antes dos 30 anos, o cantor aventurou-se por três vezes no cinema, sem grandes consequências... na expansão de horizontes. No primeiro filme, foi apadrinhado pelo grande Bourvil. No terceiro, um musical pensado à sua medida, conheceu a atriz alemã Annette Dahl que, mais tarde, viria a ser mãe de uma menina, Amélie, nascida fora do casamento que Salvatore mantém com Nicole desde 1969 e que deu direito a dois rapazes, Antony e Benjamin.

Gravou mais de 30 álbuns de estúdio, a que se somam duas dezenas de registos de palco, que o cantor considera o seu habitat natural. Algo que poderá ser testemunhado pelos portugueses, que visitou, antes, em 2004, para um serão no Casino de Espinho. No Coliseu, além das indispensáveis memórias, deverá estar em destaque o álbum Si Vous Saviez..., publicado em fevereiro deste ano, gravado com uma orquestra de 40 músicos, que inclui um dueto com Camille (Dalmais, uma parisiense 35 anos mais nova do que o protagonista) e que mantém intactas as características essenciais que levaram Adamo a conquistar um lugar entre os eleitos. As melodias continuam a ser simples, as palavras teimam em cantar o amor, sob as múltiplas formas que pode assumir. De resto, Salvatore, que continua a aproveitar o seu crónico problema de insónias para ir desenhando melodias e escrevendo os seus versos, não tem quaisquer problemas em assumir a sua condição de praticante de música ligeira, sem mais. Em sua defesa, deixou - em entrevista recente - uma frase que faz pensar, além do embalo das canções: "A minha ingenuidade é lúcida." Não há como contestar.

Adamo

Coliseu dos Recreios, Lisboa

25 de outubro, 21.30

Bilhetes de 30 a 90 euros

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