Nada nos prepara para uma cena de perseguição rodoviária com buggies na superfície lunar - talvez a primeira do seu género -, um pouco ao estilo de Mad Max mas sonora e visualmente imaculada. Num dos buggies segue o protagonista de Ad Astra, o astronauta Roy McBride interpretado por Brad Pitt, e a ameaça surge de piratas espaciais que, depois de um tiroteio, o obrigam a desviar para a zona negra de uma cratera... Eis algo inesperado num filme de "ação" lenta, em que quase tudo passa pela bitola psicológica de uma personagem..Além de surpreendente e admirável, o que esta cena exemplifica da perceção que se pode ter do filme é a capacidade de o seu realizador, James Gray, transpor uma situação "terrena" para o espaço, sem que daí advenha uma excentricidade de ficção científica: Ad Astra é sóbrio, verosímil de uma ponta à outra e transfere o desassossego mais humano e terráqueo para as cercanias dos astros. Aí, num tempo identificado como o futuro próximo, conta-se a odisseia do referido astronauta, incumbido de uma missão secreta a Neptuno, que se crê ser a origem de uns impulsos cósmicos que estão a ameaçar a vida na Terra. Nesse posto, ficamos a saber, estava sediada a missão que o seu pai, Clifford McBride (Tommy Lee Jones), liderou 30 anos antes, à procura de sinais de vida inteligente, sendo a nave dada como desaparecida 16 anos depois da partida. Roy/Brad Pitt deve então sondar a possibilidade de o pai afinal ainda estar vivo e em vias de provocar uma calamidade..Apesar desta questão da sobrevivência do planeta, Ad Astra tem tudo menos um rosto ou propósito coletivo. O seu solitário space cowboy afigura-se o exclusivo ângulo dramático do argumento, também escrito por Gray (e Ethan Gross), que forja uma transparente versão galáctica do Apocalypse Now de Coppola - recorde-se, a partir de O Coração das Trevas, de Joseph Conrad. Contudo, se a referência acaba por se tornar um fardo ao longo do caminho, nesta que é a maior produção do cineasta americano até ao momento, a idiossincrasia do seu cinema abre margem para algo mais contemplativo da interioridade, como acontecia com a jornada do explorador de A Cidade Perdida de Z (2016). No novo filme, de fantasmas geracionais, Roy, esse homem em busca do pai que o deixou ainda criança para partir em direção ao lugar mais longínquo dos assuntos terrenos - e que, tal como ele, se tornou astronauta e negligenciou a mulher -, é alguém à procura de si mesmo no espaço interestelar. Uma viagem com alguns sobressaltos e apeadeiros (a Lua, Marte) em direção às trevas, no sentido mais concreto e metafórico..Pelo meio, a presença breve de Donald Sutherland, como antigo colega do astronauta perdido de contacto Tommy Lee Jones, que deve encaminhar o filho deste na missão, parece assinalar uma espirituosidade disfarçada: lembramo-nos logo da aventura Space Cowboys (2000), realizada e protagonizada por Clint Eastwood ao lado de Sutherland, Tommy Lee Jones e James Garner, como um apontamento incontornável da velha guarda....Mas a garantir a harmonia perfeita do protagonista com a feição clássica do cinema de Gray está mesmo um brilhante e contido Brad Pitt (pouco depois de um não menos notável papel em Era Uma Vez em... Hollywood). Sem uma expressão ou um gesto em falso, a sua linguagem corporal remete para o próprio conflito do filme: a todo o instante ele é submetido a avaliações psicológicas e a sua pulsação não acusa a mínima emoção. Também Ad Astra, ainda que se defina como uma experiência subjetiva, demora muito tempo a libertar um batimento no seu músculo, não obstante a magnificente e apurada visão sideral. Esta última deve-se em parte ao trabalho do diretor de fotografia suíço Hoyte van Hoytema que, dentro do registo da ficção científica, colaborou antes com Christopher Nolan em Interstellar (2014). Some-se a igualmente refinada banda sonora de Max Richter e o resultado é uma robusta imersão sensorial..Concebido com um impressionante minimalismo narrativo, Ad Astra consegue ser uma bela contradição dentro da obra do realizador de Little Odessa. Ao mesmo tempo que Gray usa uma estrutura assombrosa à retina para falar de "assuntos familiares", e do medo da vulnerabilidade masculina, este acaba por representar o seu filme menor, que se ressente na pouco densa linha dramática, um tanto banalizada pelos monólogos interiores de Roy. Ainda assim, vale a pena sublinhar, poucos cineastas conseguiram utilizar de forma tão inteligente os efeitos especiais na aventura do espaço, ao serviço de uma virtuosa gramática visual. E não é fútil reconhecer que Brad Pitt tem a alavanca necessária na sua expressividade para levar Ad Astra ao seu lugar entre as estrelas. Não sendo o título de James Gray que mais entusiasma, é certamente o que mais deslumbra - na vastidão de um grande ecrã, bem entendido..Classificação: Bom ***