Acossados contra os velhos
A Itália com a sobrecarga da reacção em cadeia de mais um escândalo que pode afundar equipas tão poderosas como a Juventus, o AC Milan, a Fiorentina e a Lazio. A França com o fardo da idade, que tanto fustigou a equipa. Foi com essas fraquezas que ambas construíram as fortalezas para chegar hoje (19.00, SIC/Sport TV) à decisão do Mundial 2006 . Berlim recebe uma final improvável: há um mês pouco se arriscaria neste emparelhamento.
Marcelo Lippi, treinador de carapaça dura o suficiente para aguentar a pressão das polémicas, transformou "o escândalo" do futebol italiano na força motriz da Itália. Pegou num bom exemplo - o Mundial 1982 foi ganho nas mesmas circunstâncias -, em bons jogadores e serenamente alheou-se do meio envolvente. Hoje não conta com Nesta (lesionado), mas a energia colectiva é tão contagiante que um jogador banal tecnicamente e excepcional agressivamente como Materazzi (ou "Matrix", pelo gosto das patadas em voo sobre os adversários) parece um defesa de topo. Ter o enorme Cannavaro (de 1,75m - foto da esquerda) ao lado deve ser estimulante.
Do outro lado não se pode dizer exactamente o mesmo - nem sequer exactamente o contrário. Raymond Domenech é uma ilha de poder entre os senadores que orientam os "Bleus". Zidane, Vieira e Thuram dominam com punho de ferro o balneário e quando se aperceberam que se despediriam da carreira internacional com novo enxovalho (em 2002 saíram de fininho da Ásia) começaram a juntar os cacos dos campeões de 1998 ( Mundial de França) e 2000 (Europeu Bélgica/Holanda). Foi como que com um último fôlego de Zizou que a França ressuscitou. O melhor jogador francês das últimas duas décadas, e dos melhores de sempre, diz adeus aos relvados. Parece ter feito mesmo tudo para o adiar até ao último suspiro da prova.
O problema é que na França esta força que se viu frente a Portugal - uma manha competitiva que segura equipas mais impetuosas, mas que com a Itália não deverá ser suficiente - se esgota nos senadores. Domenech parece isolado. No fim do jogo com Portugal ficou uma imagem ilustrativa: saído do isolamento emocional que o caracteriza, os abraços que queria dar ficaram dentro. Ninguém lhe correspondeu. Agarrou-se a Zidane, mas o olhar vazio do capitão, o corpo enrijecido e alheado foram simbólicos: se na Itália é o treinador o impulsor, na França restam as forças dos "velhos", como foram chamados na fase negra. A ausência de Saha (castigado) nem será mais um problema, porque Henry é peça única no ataque, por muito que isso desagrade a Zidane, que preferia dois homens mais avançados (a frieza com o treinador também vem daí).
O jogo de Berlim é também um ponto final num mundial pouco apelativo. Futebol pouco entusiasmante, o triunfo das equipas e dos defesas - não é por acaso que Cannavaro e Thuram são figuras centrais e Buffon (um autogolo de Zaccardo) e Barthez (dois golos) quase imbatíveis.
Falta ver se o relvado aguenta e se vence o futebol enérgico dos italianos ou o futebol mais pausado dos franceses, ambos cínicos. Os italianos nunca perderam uma final de um mundial para uma congénere europeia (o Brasil bateu-os duas vezes), os "Blues" nunca cederam numa final (um mundial , dois europeus, o de 2000 ganho aos italianos).