"Acordo secreto pode ajudar Portugal, mas da pior maneira"

Miguel Beleza considera que cumprir o Pacto Orçamental "é a única maneira de Portugal equilibrar as contas públicas". Bruxelas nega ter feito acordo secreto com François Hollande para evitar sanções à França por violar défice
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"O acordo secreto entre a França e a Comissão Europeia que permitiu a Paris violar as regras do défice de 3% do PIB pode ajudar Portugal, mas da pior maneira", considera Miguel Beleza, ex-ministro das Finanças. "Eu acredito no Pacto Orçamental e nas regras impostas sobre as contas públicas. É mesmo a única maneira de Portugal conseguir equilibrar as contas da Segurança Social no médio prazo. Se a França tem um acordo secreto, então será mais fácil que Portugal tenha permissão para exceder o limite do défice. Mas relaxar as metas de política orçamental nesta altura é algo de mau para o país, que precisa dessas regras para garantir a sustentabilidade da Segurança Social", explica o economista. "Não é possível estar de acordo com esse tipo de estratégias que só protegem os grandes."

Annika Breidhard, a porta-voz para os Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, rejeitou ontem qualquer acusação de tratamento desigual entre os Estados membros no cumprimento das metas orçamentais. É a primeira reação às suspeitas levantadas no livro Un Président ne Devrait pas Dire ça, escrito por dois jornalistas do Le Monde, que contém transcrições de conversas do presidente francês, em que François Hollande assume um acordo secreto com Bruxelas que lhe permitiria mascarar o défice e escapar a sanções (ver fotolegenda).

A 10 de março de 2015, o Conselho Europeu dilatou o prazo, em dois anos, para que a França corrigisse o seu défice. Numa altura em que Pierre Moscovici, o anterior ministro das Finanças francês, já tinha assumido em Bruxelas a pasta dos Assuntos Económicos e Financeiros. Foi a terceira vez que o prazo para a correção do défice de França foi prorrogado. Paris está sujeita ao procedimento dos défices excessivos desde abril de 2009, quando o Conselho recomendou que o défice fosse corrigido até 2012. Até hoje, a França conseguiu sempre evitar que o procedimento por défice excessivo fosse agravado, o que desencadearia um processo de eventuais sanções.

A suspeita lançada no livro traz à memória as afirmações de Jean--Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, que, em maio, justificou numa entrevista à televisão do Senado francês que a França beneficiaria de maior flexibilidade em relação às metas do défice "porque é a França".

Margaritis Schinas, principal porta-voz de Bruxelas, bem tentou explicar que Juncker estava a sair de um engarrafamento de trânsito colossal e que, depois, também disse claramente que a França tem de estar abaixo dos 3%. "Só que a segunda parte das declarações não tiveram o mesmo eco do que a primeira parte, que não era mais do que uma piada", lamentou.

Piada ou não, a ligação entre os dois temas foi ontem evocada pelo eurodeputado social-democrata, Paulo Rangel, num conjunto de questões escritas que dirigiu à Comissão Europeia. Pede respostas "urgentes" para saber se há ou não um acordo secreto entre a França e Bruxelas sobre o défice excessivo. Rangel quer saber se tais afirmações "são verdadeiras". E, a confirmar-se a existência do acordo, "que consequências jurídicas haverá", bem como "o que vai fazer a Comissão para corrigir" a situação.

Na bancada do PCP, em Bruxelas, o eurodeputado João Ferreira considera que "este caso evidencia bem a natureza das instituições europeias e da própria UE". A existência de um tal acordo deixa à vista "a natureza das regras que estão em vigor", nomeadamente o Pacto de Estabilidade e Crescimento que, para João Ferreira, não é mais do que "uma forma de condicionar e controlar politicamente os Estados. É cada vez mais insustentável para Portugal continuar a adiar a resolução de problemas cadentes, como as necessidades de investimento e de resolução dos problemas sociais, em nome de regras que apenas condicionam politicamente".

"O governo deve assumir essa atitude e essa exigência, procurando junto de outros países em situação semelhante estabelecer as necessárias alianças, para fazer valer os seus argumentos, em nome do interesse nacional e a bem dos seus cidadãos."

Acordo secreto era válido até 2017

O acordo secreto entre a França e a União Europeia para que Paris não ficasse obrigada a cumprir o compromisso de manter o défice abaixo de 3% do PIB, tal como é exigido pelos tratados europeus, foi estabelecido em 2012, ano em que François Hollande foi eleito presidente, e seria válido até 2017. Ou seja, abrangeu a presidência de Durão Barroso e de Jean-Claude Juncker (na foto com Hollande). "Durante estes cinco anos, as autoridades francesas apresentaram previsões do défice intencionalmente falsas, com a aprovação das próprias autoridades europeias, escapando assim a sanções", escreveram Gérard Davet e Fabrice Lhomme, dois jornalistas do jornal francês Le Monde, autores do livro Un Président ne Devrait pas Dire ça (Um Presidente não Deveria Dizer isto).

José Reis considera que a questão fundamental não é saber se o acordo secreto entre Bruxelas e a França sobre o défice favorece ou não Portugal. "O problema é constatarmos que o quadro institucional europeu é profundamente falso nos seus princípios de política orçamental. Tenho grande ceticismo relativamente à vida das instituições europeias. O problema passa também pelo quilate de líderes como Durão Barroso ou François Hollande. Quanto a Jean-Claude Juncker, conhecido pelas ligações ao escândalo financeiro Luxleaks, que remete para o seu passado enquanto primeiro-ministro do Luxemburgo, não há nada de positivo que o distinga.

A Europa tem, de facto, uma falta de líderes políticos de qualidade", conclui o professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

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