Académica despromovida pela primeira vez ao terceiro escalão do futebol

Com quatro rondas por disputar, os 'estudantes' matematicamente já não podem deixar os lugares de despromoção. Académica vai jogar na Liga 3 em 2022/23, depois de 88 épocas consecutivas, desde 1934/3, entre a primeira e a segunda divisões. Antigas glórias da Briosa lamentam. Presidente do clube diz que é uma "página negra".
Publicado a
Atualizado a

A histórica Académica, vice-campeã nacional em 1966/67, caiu este sábado, pela primeira vez na sua história, para o terceiro escalão do futebol português, ao empatar a zero com o Penafiel, em jogo da 30.ª jornada da II Liga.

Em Coimbra, o empate consumou a oitava descida da história da Académica, a primeira ao terceiro escalão, uma vez que, com quatro rondas por disputar, os 'estudantes' matematicamente já não podem deixar os lugares de despromoção: somam 16 pontos, menos 11 do que o Académico de Viseu, também em zona de despromoção direta, e 12 do que o Trofense, que ocupa o lugar reservado ao 'play-off' de manutenção, com estas duas equipas a defrontarem-se ainda este sábado.

A Académica, um dos históricos clubes nacionais, jogará assim na Liga 3 em 2022/23, depois de 88 épocas consecutivas, desde 1934/35, entre a primeira e a segunda divisões do futebol luso, num trajeto que até este sábado contava com sete descidas e 24 presenças na divisão secundária.

O antigo futebolista Toni assumiu que lhe "dói a alma ver a Académica cair para a Liga 3", esperando que o futuro afaste "sucessivos erros de gestão" para que o clube possa voltar ao "convívio dos grandes".

"Dói. Dói-nos a alma ver este desfecho, que, infelizmente, já se adivinhava há algumas épocas. A Académica vive o seu período mais negro da história, ao cair no mais baixo escalão onde já competiu", lamentou António José Conceição Oliveira, em declarações à agência Lusa.

Conhecido no mundo do futebol por Toni, o então médio jogou dos 18 aos 22 anos na Académica, antes de rumar ao Benfica, no qual alinhou 13 épocas até terminar a carreira.

Toni entende que os 'estudantes' "não tiveram as melhores políticas de gestão" nos últimos anos, contudo também considera que o "divórcio entre a cidade e a Académica" ajudou a este desfecho.

"A Académica tem muitos adeptos, mas Coimbra não parece unida em torno do clube que a representa. É necessário que isso mude, que os que lhe viraram as costas mudem de atitude, para que seja possível inverter este mau momento da sua história", vincou.

O antigo internacional português e treinador entende que "é preciso uma regeneração do clube que parta do universo academista", embora acredite que, para inverter o rumo negativo e regressar à I Liga, será necessário um forte investidor, provavelmente estrangeiro.

"A cidade e a região não são muito industrializadas, pelo que é natural que essa aposta tenha de vir de fora", disse, recordando o trajeto meteórico do Casa Pia, líder da II Liga, detido pelo empresário norte-americano Robert Platek.

Toni deu o exemplo do futebol britânico: "A Inglaterra era conservadora, mas quem tomou conta dos seus maiores clubes?".

Neste "caminho novo" que se exige, gostaria de ver mantida a filosofia da "formação do homem" com a qual evoluiu na vida, acreditando que o conjunto de Coimbra poderá voltar a ver a equipa atuar com atletas de grande valia desportiva enquanto cumprem um percurso académico.

"A última coisa que temos de perder é a esperança. Para esse tempo novo que se exige, é preciso gente que possa ter a capacidade de regenerar, sem que a Académica perca os seus princípios e valores", sublinhou.

Toni lembrou as quedas dos históricos Salgueiros, Vitória de Setúbal e União de Leiria, a militar em escalões não profissionais, pelo que deseja que os academistas se reergam "de forma sustentada".

"Os campeões caem, porém também se levantam com força redobrada. É uma frase feita, no entanto pode muito bem ser aplicada à Académica, um histórico que o futebol português aprendeu a apreciar", concluiu.

"É triste ver um clube daquela dimensão, com aquelas condições, numa cidade como é Coimbra... é triste. É estranho, é estranho. [...] Isto não podia acontecer a um clube como a Académica", lamentou à Lusa Diogo Valente, um antigo 'herói' da 'Briosa', que viveu em Coimbra "o momento mais alto da carreira".

Agora no Salgueiros, outro 'gigante' que caiu para fora dos campeonatos profissionais, a que procura voltar há anos, o extremo de 37 anos tem dificuldade em encontrar explicações para o que aconteceu à Briosa, cuja descida foi hoje confirmada com um empate diante do Penafiel.

"A cidade e as pessoas afastaram-se muito. É verdade que os estudantes deixaram de acompanhar, claro que se atravessaram momentos difíceis a nível financeiro, mas não é justificação para chegar a este ponto", considerou.

O antigo 'capitão' da Académica Orlando lamentou também a descida "triste" do clube histórico à terceira divisão do futebol português, onde nunca tinha estado, pedindo que se olhe já para a formação para voltar à ribalta.

"Fico triste, estou triste, e custa-me imenso ver o clube em que fui feliz, e de que muita gente gosta, e onde é feliz só porque sim, numa situação destas. Não tenho palavras, nunca acreditei que pudesse acontecer", reconheceu, em entrevista à Lusa.

O presidente da Académica-Organismo Autónomo de Futebol (OAF) considerou que, desportivamente, a descida à terceira divisão é a página "mais negra" do futebol do clube.

"Obviamente, que este é um momento desportivamente muito negro", disse Pedro Roxo, em conferência de imprensa, no final do jogo da 'Briosa' com o Penafiel.

O dirigente assumiu que a "época desportiva falhou" e que assume todas as responsabilidades, salientando que a Académica "não pode terminar por aqui", já que tem uma "histórica rica, que nos fará reerguer".

Pedro Roxo anunciou um parceiro (Athlon) para a constituição de uma Sociedade Anónima Desportiva (SAD), referindo que se candidatou com o projeto de alterar a atual estrutura do clube.

"A Académica tinha e tem dificuldades que não lhe permitem ombrear com as outras equipas dos campeonatos profissionais", disse o líder academista, recordando que o parceiro escolhido aceita as condições e regras impostas pela direção-geral da Associação Académica de Coimbra, que é a casa mãe do OAF.

O presidente da direção da 'Briosa' assumiu também a responsabilidade de "tornar a Académica mais forte, competitiva e com futuro", embora não tenha assumido que é recandidato ao cargo nas eleições agendadas para 15 de maio.

Salientando que o projeto de constituição da SAD não é "desta direção, mas da Académica", Pedro Roxo referiu que este passo é a solução que vai permitir ao clube "ter viabilidade e um futuro".

O dirigente lamentou que só agora tenha sido possível apresentar o parceiro e disse que assim que a comissão criada no seio do Conselho Académica para estudar a proposta se pronuncie, os sócios estarão em condições de votar o projeto da SAD.

"A Académica vai voltar mais forte, mas precisa de se unir para recuperar rapidamente", sublinhou.

O presidente da Câmara Municipal de Coimbra, José Manuel Silva, lamentou a descida da Académica, considerando que o clube tem de se repensar, caso contrário fará "uma longa travessia no deserto".

"É uma profunda tristeza. A Académica, como instituição, não merecia a descida. Um clube com a história da Académica faz falta nos escalões mais altos do futebol português", disse à agência Lusa o presidente da Câmara de Coimbra, sobre a despromoção da 'briosa'.

Para José Manuel Silva, as dificuldades que a 'Briosa' foi sentindo nos últimos anos -- primeiro com a relegação à II Liga, em 2015/16, e agora com a descida à Liga 3 - refletem também o facto de, "por responsabilidade" dos autarcas que o antecederam, "a atividade económica em Coimbra não ser suficientemente forte para manter a Académica na primeira divisão".

No entanto, o autarca nota que o próprio clube "tem de se repensar".

"Uma instituição -- seja um clube de futebol ou não -- quando tem problemas não os pode empurrar para a frente com a barriga. O que vimos foi um arrastar de problemas estruturais que culminaram nesta circunstância", notou.

Segundo José Manuel Silva, a atual situação obriga a Académica "a repensar-se, a reorganizar-se, a pensar nos seus objetivos, na área de formação, na política de contratação de jogadores, na aposta numa estabilidade a médio prazo".

"Se nada mudar, então a Académica fará uma longa travessia no deserto", sentenciou o autarca, que é sócio da 'Briosa' mas também de outros clubes da cidade.

Sobre o apoio à Académica, José Manuel Silva frisou que os municípios não podem financiar os clubes e, caso pudessem, "são tantos no concelho, que não haveria orçamento suficiente para as necessidades de todos".

"A Câmara apoia associações desportivas, culturais e recreativas de forma transparente e com equilíbrio e sentido de justiça. Não podemos apoiar mais a Académica do que fazemos a todos os outros clubes do concelho", vincou.

Para o autarca, mais importante que a questão financeira, será a mudança de estratégia desportiva, que terá de passar por uma "aposta na formação e em condições de formação".

"Se não há política desportiva, não há política económica que resista", disse José Manuel Silva, frisando que lhe custa muito -- "de forma particular e emocional" -- assistir ao "caminho penoso da Académica nos últimos anos".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt