Acabou a fanfarra da Fox, chegou o castelo da Disney

Assim vai a história de Hollywood: depois da aquisição da 20th Century Fox pelos estúdios Disney, uma das marcas mais lendárias do património cinematográfico vai desaparecendo dos ecrãs... Ficam as memórias de centenas de filmes, incluindo muitos clássicos.
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Eis uma dúvida cinematográfica e cinéfila destes tempos: depois da aquisição da 20th Century Fox pelo império Disney, que irá acontecer àquele que foi um dos principais estúdios da idade de ouro de Hollywood?

Podemos começar por responder através de uma breve fábula. Se o leitor é fã de Star Wars, isso ajudará a compreender o pequeno episódio imaginário que se segue. Imaginemos, então, uma cena protagonizada por um espectador incauto, fã de Star Wars, precisamente. Algures, num tempo não determinado, está a assistir à reposição de um dos títulos da saga. Conhecedor de todos os detalhes dos filmes, espera a tradicional abertura. E não apenas o selo da Lucasfilm, a empresa de George Lucas onde nasceu uma das mais rentáveis franchises da história do cinema. Antes disso (e o "antes" é tão importante como o "depois"), começará a saborear o espetáculo contemplando a imponência ancestral do logótipo da 20th Century Fox, o nome colocado em cima de um pedestal, os holofotes em movimento e, claro, a fanfarra composta por Alfred Newman em 1933... Quem não se lembra?

Pois bem, por bizarra ironia, é caso para dizer que esta passou a ser uma cena de ficção científica. Porquê? Porque o logótipo da Fox está condenado a desaparecer... Dando lugar a quê? Provavelmente ao castelo luminoso que simboliza o mundo de fantasia do estúdio do Rato Mickey: a Disney está a acabar com a simbologia tradicional da Fox.

Enfim, a notícia não é bem essa mas, quase inevitavelmente, irá dar ao mesmo. O que está em jogo não se reduz a esses breves segundos que, para várias gerações, se confundiram com a própria Ideia de cinema (tal como o leão da Metro Goldwyn Mayer, outro dos grandes estúdios do período clássico de Hollywood). Como muitos outros fenómenos típicos do nosso mundo de concorrência e marketing, tudo tem que ver com a gestão das "marcas" - acontece que a Disney está a reconverter por completo a marca Fox.

No começo era o capital. Entenda-se: a compra, não apenas dos estúdios Fox, mas de todo o património de Rupert Murdoch encimado pela marca Fox (incluindo várias cadeias de televisão, a National Geographic e até uma participação na plataforma de streaming Hulu). Foi um negócio fechado a 20 de março de 2019, com os herdeiros empresariais de Walt Disney a pagar a módica quantia de 71,3 mil milhões de dólares, qualquer coisa como 60 mil milhões de euros.

O processo de reconversão está em marcha e, escusado será sublinhá-lo, reforça a Disney como um dos potentados dos media planetários: em 2019, as respetivas receitas globais (cinema, televisão, parques temáticos, etc.) foram de 70 mil milhões de dólares. Aliás, o apagamento da Fox como marca emblemática de um património gigantesco começou quando, em janeiro deste ano, a 20th Century Fox passou a designar-se 20th Century Studios. Entre os seus primeiros grandes trunfos, a estrear no último trimestre de 2020, incluem-se as novas versões de Morte no Nilo, dirigida e interpretada por Kenneth Branagh, e West Side Story, com realização de Steven Spielberg.

A 20th Century Fox surgiu em 1935, resultando da fusão de duas companhias: a Fox Film Corporation, criada em 1915 por William Fox, uma das grandes produtoras do período mudo, e a Twentieth Century Pictures, fundada em 1933 por Joseph Schenck e Darryl F. Zanuck, produtores "dissidentes" da United Artists e da Warner Bros., respetivamente.

Filmes de sucesso

Para muitos espectadores, a marca Fox será também indissociável dos seus produtos televisivos, incluindo as séries de Batman, dos Simpsons ou MASH. Através das muitas centenas de títulos que, ao longo de mais de 80 anos, exibiram a sua chancela, acedemos, afinal, à espetacular diversidade da história de Hollywood - eis apenas sete desses títulos, entre os que já pertencem à mitologia do próprio cinema.

AS VINHAS DA IRA (1940), de John Ford - Com Henry Fonda numa das suas mais admiráveis interpretações, o retrato da Grande Depressão, adaptado do romance de John Steinbeck, constitui um exemplo maior de um cinema social cuja atualidade e simbolismo não se desvaneceram.

OS HOMENS PREFEREM AS LOURAS (1953), de Howard Hawks - Porventura o mais lendário filme de Marilyn Monroe, neste caso ao lado de Jane Russell, a sua visão sarcástica das relações masculino/feminino não perdeu energia espetacular nem ironia crítica.

O DIA MAIS LONGO (1962) - Correalizado por três cineastas (Ken Annakin, Andrew Marton, Bernhard Wicki), não será uma das obras-primas do género, o que não o impede de, para várias gerações de espectadores, ter sido um dos relatos mais significativos do desembarque dos Aliados na Normandia, a 6 de junho de 1944.

O HOMEM QUE VEIO DO FUTURO (1968), de Franklin J. Schaffner - Título original: O Planeta dos Macacos. A história dos astronautas, liderados por Charlton Heston, que desembarcam num planeta desconhecido gerou uma popular série de filmes, primeiro nos anos 1960-70, mais tarde já no século XXI.

ALIEN: O OITAVO PASSAGEIRO (1979), de Ridley Scott - Outro filme que deu origem a uma notável descendência, abrindo um capítulo original no cruzamento das convenções clássicas do terror com os novos caminhos da ficção científica.

TITANIC (1997) - A história de amor vivida por Leonardo Di Caprio e Kate Winslet, sob a direção de James Cameron, foi um impressionante fenómeno global, curiosamente suscitando um tema que, embora com outras componentes, continua a marcar o presente. A saber: o regresso dos espectadores às salas de cinema.

A IDADE DO GELO (2002) - Com direção de Chris Wedge, foi a primeira longa-metragem produzida pelo departamento de animação da 20th Century Fox, apostando em concorrer com os especialistas nessa área, incluindo os estúdios Disney: o seu grande sucesso já gerou mais quatro títulos.

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