A vez das atrizes: das de Canijo a Mia Goth e Paula Beer

Boa receção aos filmes de João Canijo,<em> Mal Viver</em> e <em>Viver Mal</em>, díptico que originou a grande discussão na imprensa internacional: o que é isto, afinal? Mas o grande filme do festival é de Christian Petzold, <em>Afire</em>, e a grande atriz é Mia Goth, a musa de Brandon Cronenberg, em <em>Infinite Pool</em>.
Publicado a
Atualizado a

Aplausos e um silêncio de cortar à faca. O majestoso Palast da Berlinale recebeu em sessão de gala desta maneira o filme Mal Viver, de João Canijo, a concorrer ao Urso de Ouro. Casa cheia com a presença do Embaixador português, mas a ausência do Ministro da Cultura tornou-se estranha - havia quem acreditasse que este momento solene poderia trazer Marcelo Rebelo de Sousa ou António Costa este último mais provável por ter estado na mesma sala quando Ivo M. Ferreira apresentou também em competição Cartas da Guerra.

Sentiu-se uma forte boa vontade de muitos portugueses residentes em Berlim na sessão e o desfile das estrelas do projeto de Canijo levou ao grande palco grande parte do elenco: Anabela Moreira, Madalena Almeida, Nuno Lopes, Rita Blanco, Vera Barreto, Cleia Almeida, Carolina Amaral, Rafael Morais, Lia Carvalho, Beatriz Batarda e Leonor Silveira. Tudo isto num dia em que as críticas internacionais são geralmente positivas.

Mas se em Viver Mal e Mal Viver a grande força são as atrizes, esta reta final da Berlinale deu-nos duas das maiores interpretações do certame: Paula Beer em Afire, de Christian Petzold e Mia Goth, intransponível em Infinite Pool, de Brandon Cronenberg. O filme alemão é porventura o melhor da competição e, paradoxalmente, o filme feito pelo filho de David Cronenberg é um dos equívocos da secção não competitiva oficial, a Berlinale Special.

Em Afire, o realizador de Em Trânsito, disserta sobre um verão junto à costa onde dois amigos conhecem uma mulher especial que, à partida, parece ser apenas uma vendedora de gelados. Petzold joga tudo no magnetismo de Paula Beer. No seu olhar estão infinitas possibilidades de cinema, alavancadas com um texto magnífico onde se reflete sobre o olhar masculino no mundo intelectual alemão e em todo o snobismo literário dos homens. Um filme feminista de uma beleza misteriosa, penetrante. E ninguém filma assim o fracasso artístico.

Brandon Cronenberg é daqueles nomes do novo cinema de terror que ainda não pegou, mesmo sendo filho de quem é. No Festival Sundance causou sensação com este Infinite Pool pelas razões erradas: o filme tem cenas de sexo explícito e violência gráfica gratuita, mas não é por isso que é um falhanço. Esta viagem pelo mundo dos ricos e nojentos só não chega a bom porto porque tudo parece ser aleatório, chegando-se até a desperdiçar um bom ponto de partida: um grupo de milionários num hotel de luxo a brincar às orgias e à violência extrema num país de terceiro mundo, sempre com o direito de testemunhar a sua morte e depois voltar à vida. Uma fantasia niilista que se torna repetitiva e cansativa, mesmo quando há ali uma noção de perigo palpável. Certo é que dentro do filme há atriz que neste momento é uma ilha no cinema americano. Mia Goth, talento selvagem que carrega em si uma derisão sublime. Uma atriz que representa com uma fúria primitiva raríssima. Um vendaval de estilo novo que está a seduzir os melhores cineastas internacionais - Claire Denis já a tinha descoberto e depois de X e Pearl, ambos de Ti West, é só a jovem atriz americana mais procurada do momento. A atriz que arrisca como antes Gena Rowlands arriscava e a euforia da sua recepção na Postdamer Platz provou isso. Mia Goth sobrevive a um filme mau e fortalece-se enquanto estrela. É uma atriz à parte, o chamado talento à parte. Foi dos deslumbramentos da Berlinale. O cinema americano descobriu um totem.

dnot@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt