A verticalidade que rebentou todos os diques

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O semblante de Cristiano Ronaldo no momento em que acertou pela primeira vez no poste dizia muito. Quando abanou a cabeça, fê-lo como que a dizer que o poste não o merecia, que não era suficientemente bom para o seu remate. Havia ali um sorriso de confiança em vez do esgar ansioso que se lhe observara em falhanços anteriores. A perdida de Postiga, minutos depois, isolado face ao guarda-redes holandês, completou o cenário. Naqueles instantes, com Portugal a perder, percebeu-se que a seleção ia ganhar. Era impossível passar por este jogo sem marcar golos, como se viu quando Cristiano Ronaldo bateu a armadilha do fora de jogo no momento do passe de João Pereira e fez o empate que colocou Portugal à condição nos quartos de final.

O Portugal-Holanda foi o segundo jogo com mais finalizações neste Europeu até ao momento: 35 remates, divididos em 22 para Portugal e 13 para a Holanda. A única partida com mais tentativas de chegar ao golo foi o Holanda-Dinamarca, que teve 36, com 28 remates holandeses e oito dinamarqueses. É sintomática a repetição da Holanda nos dois jogos, ainda que os que gostam de contrariar possam lembrar que nesse jogo os holandeses remataram mais (têm o recorde da prova para remates num só jogo) e não marcaram um único golo. Isso, porém, tem a ver com a interpretação dos números que qualquer jogo nos fornece: os remates holandeses são feitos contra um dique quase sempre bem posicionado, ao passo que os que eles permitem resultam muitas vezes de contra-ataques nascidos do balanceamento ofensivo da equipa laranja e são desferidos face a oposição muito rara ou mesmo nula.

Paulo Bento percebeu isso, que é afinal de contas o segredo do sucesso português nas partidas contra a Holanda: apenas uma derrota nos onze jogos de que se faz uma história que tem pouco mais de 20 anos e se desenrolou num período em que o futebol holandês foi sendo sempre um dos mais poderosos do mundo. Para ganhar à Holanda é preciso juntar linhas, impedir os holandeses de explorar o espaço entre elas - reduzindo-o - e ser vertical nos contra-ataques, de forma a aproveitar o espaço que eles invariavelmente deixam atrás. Foi mais uma vez assim que as coisas se passaram: passe vertical de Moutinho para Ronaldo atirar pela primeira vez ao poste; passe vertical de João Pereira para o primeiro golo de Ronaldo; passes verticais na origem dos contra-ataques que valeram a ocasião falhada de Nani, o segundo golo de Ronaldo e a sua segunda bola no ferro.

A qualidade das prestações individuais - de Cristiano Ronaldo acima de todas - tem tanto a ver com as variáveis estratégicas em que se desenrolou este jogo como com a inspiração do dia. Anteontem, Cristiano estava inspiradíssimo e apanhou um adversário que se pôs a jeito. Contra a Dinamarca, que se defende melhor mas tem piores jogadores, faltou-lhe a inspiração. Contra a Alemanha, nem deu para se perceber, uma vez que a combinação das estratégias portuguesa e alemã o tirou do jogo: Portugal atacou com poucos e a Alemanha concentrou um grande número de unidades defensivas na sua zona. Face à República Checa, é bem possível que os adversários voltem a olhar para ele com uma preocupação que os holandeses não tiveram: aqui, sim, se verá se o "efeito ketchup" se aplica mesmo aos golos do capitão português.

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