A universidade vale a pena? Sim, e isso vê-se nos salários
O aumento das ofertas de emprego terá levado muitos alunos portugueses a dispensarem ou adiarem o ensino superior. Esta é mesmo uma das razões apontadas para o decréscimo do número de candidatos à 1.ª fase de acesso às universidades e politécnicos públicos, cujos resultados foram divulgados nesta noite. Mas a verdade é que, por mais apetecível que seja ter acesso a um primeiro salário, apostar num diploma ainda faz toda a diferença. A curto e a longo prazo.
De acordo com o último relatório "Education at a Glance", da OCDE, de 2017 - o próximo será divulgado na terça-feira -, os licenciados portugueses ganham em média 69% acima de um diplomado do ensino secundário. Mesmo com curso de especialização tecnológica/técnico superior profissional, que não confere grau académico, a diferença para o secundário mantém-se elevada, chegando aos 65%.
Este dado faz de Portugal um dos países da União Europeia onde o chamado "prémio salarial" dos diplomados é maior, já que a média comunitária (UE22) está nos 53% de diferença entre diplomados e não diplomados do superior. E também um dos países onde o ensino superior mais funciona como elevador social da população.
Mas há outros motivos para apostar (pelo menos) numa licenciatura: em 2017, apenas 5,5% dos recém-diplomados do superior estavam inscritos nos centros de emprego do IEFP, perto de um quarto da média entre os jovens da mesma faixa etária. Quem estuda mais tem ainda mais momentos de progressão salarial, ao longo da sua carreira, do que quem se fica pela escolaridade obrigatória.
Autor (com Joana Duarte, do Ministério da Educação) de um estudo sobre a mobilidade social através do ensino superior, António Firmino da Costa, professor e investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do ISCTE, diz que a diferença entre Portugal e outros países, no que respeita à valorização salarial dos diplomados, não representa em si mesma uma boa notícia. Antes pelo contrário: "É uma questão estrutural. A população portuguesa é ainda muito tributária de um défice histórico muito grande. Em comparação com países como França, Alemanha, não temos ainda uma proporção significativa de pessoas com níveis de habilitações superiores. Se são menos, o diferencial remuneratório será mais elevado", explica.
Mas, a longo prazo, a valorização social do curso superior acaba por ter um efeito de contágio positivo em toda a sociedade, contribuindo para que mais alunos oriundos de meios socioeconómicos mais desfavorecidos acabem por dar o "salto" para outro patamar de qualificações e de remunerações. "A probabilidade de acesso ao ensino superior continua a ser maior por parte de alunos que vêm de contextos económicos e educativos superiores", lembra. "Mas não é, de maneira nenhuma, tão abissal como era há alguns anos. Há aí um efeito de transformação do próprio sistema educativo", considera. "Há muito mais mobilidade social do que havia antes."
Este processo, diz ainda, tem vindo a consolidar-se "ao longo de décadas" no país. E deverá resistir a momentos "conjunturais", com os recentes anos de crise (ver gráfico), em que - apesar de continuarem a ter mais oportunidades no acesso ao emprego - muitos diplomados se depararam com ofertas salariais pouco entusiasmantes, que os levaram a optar por tentar a sorte no estrangeiro. Mas Portugal tem ainda "um caminho significativo a percorrer", sobretudo em relação a "países que encaramos como referências".
Apesar da diferença que um diploma pode fazer no salário em Portugal, João Rodrigues, presidente da Federação Académica de Lisboa (FAL), defende que o país está ainda "muito longe" de dar o devido valor à formação, considerando que a diferença para os não diplomados se deve mais a uma cultura "de salários muito baixos" do que a essa valorização. Ou seja: que os diplomados só ganham aparentemente melhor porque muitos outros ganham francamente mal. "A verdade é que continuamos a ter casos sucessivos de licenciados e pessoas que possuem um mestrado a receberem salários muito baixos", diz.
Para o dirigente estudantil, não há dúvidas de que a formação superior "é uma mais-valia, não só para o capital económico como para o capital social e cultural dos cidadãos". Mas, "para que cada vez mais pessoas percebam o valor do ensino superior", é preciso que o Estado, as instituições do ensino superior mas "também as empresas" assumam essa aposta. E não apenas nos vencimentos: "As empresas podem vir a ganhar com a produção de ciência, se decidirem investir", diz. A aposta "numa segurança social mais ampla e abrangente" é outra solução defendida pelos alunos.