O primeiro monólogo da carreira é um desafio inesperado para este ator que já fez de tudo um pouco em teatro, cinema e televisão. Só novelas é que não. Nem até agora nem num futuro próximo, apesar de admitir que "nunca se diz nunca". Uma conversa sobre a vida, a arte e a fama de sex symbol que teima em recusar..Se tivesse de fazer a sua lista de coisas maravilhosas, como na peça, quais seriam as primeiras cinco?.A primeira seria gelado, sem dúvida. Correr, mas correr horas seguidas, até à exaustão. Sonhar que voo, que é um sonho de miúdo. Andar de moto num dia de sol. E cantar - se tivesse um bom instrumento vocal, que não tenho - deixar-me-ia muito feliz..Como chegou a este monólogo de Todas as Coisas Maravilhosas?.Como muitas coisas na vida, esta peça veio ter comigo. O Hugo Nóbrega, produtor, perguntou-me se não queria ler a peça, eu disse que sim e tive uma reação muito forte. Tocou-me profundamente. É um texto muito intimista e que pressupõe uma disposição da sala que me coloca muito perto da audiência, há uma interação grande do público e esse desafio é muito aliciante..É o primeiro monólogo. Como lida com a responsabilidade de ter a atenção toda virada para si?.Cada dia melhor. São muito importantes os ensaios para ir esbatendo essa noção de ter os olhos todos em mim. Existe uma primeira fase de like me, like me, like me, que é muito estranha. Por outro lado, existe uma partilha com o público que é muito intensa, tanto que parece que não é um monólogo..Com 25 anos de carreira, ainda há espaço para a insegurança?.Sim, sim. É uma característica que me desgasta, que me cansa um bocado. Mas quando ultrapasso essa insegurança também fico muito seguro. Faz parte de uma fase inicial, antes do contacto com a plateia. O Philip Seymour Hoffman é que dizia que "representar é gerir o pânico"..Ele suicidou-se. Não geriu bem o pânico..Pois, é muito provável que não..Já participou em mais de 30 projetos, entre televisão, teatro e cinema. O que lhe falta ainda fazer?.Não sei. Tenho vontade de fazer tantas coisas. Aceito o que vier. Há um nível que estou sempre a tentar atingir que é a internacionalização. Continuo a ter muitos sonhos nesse sentido..Mas já fez alguns projetos no estrangeiro..Fiz, é verdade, mas foi sempre só uma "perninha"..Estudou no Lee Strasberg Institute. Não foi esta a sua oportunidade de entrar nesse mundo?.Fiquei quatro anos, nunca aconteceu. É uma parte incompleta da minha vida..O tempo que passou no Lee Strasberg mudou a sua forma de olhar para o papel de ator?.É um método diferente, como tantos outros. No Conservatório temos uma abordagem muito geral dos vários métodos mas acabamos por não aprofundar nenhum. Quando era mais novo cheguei a ver documentários sobre o Strasberg e fiquei fascinado. Ainda não tinha bem noção de como se fazia teatro ou cinema. Via pessoas a reagir a estímulos mais profundos, não só aquela coisa da mise-en-scène, do vou para ali e agora volto para aqui. Tive alguns professores que foram marcantes, não eram nada fundamentalistas, e aprendi imenso. E, acima de tudo, foi muito importante ver o mesmo texto ser interpretado de formas tão diferentes. Somos seres inesgotáveis de imaginação..Existe algum papel que nunca faria?.O que é fantástico nesta área é que podemos trabalhar personagens imorais e defendê-las ao ponto de o público perceber a crítica subjacente a essa personagem. Não vou fazer nenhum vídeo a dizer "nazismo é fixe", mas faria com curiosidade um personagem nazi e dar-lhe-ia corpo para ele ter emoções tão válidas como qualquer ser humano. Esse é o desafio..E em relação a personagens que já interpretou, há alguma que pense "esta devia ter feito de maneira diferente"?.Quase todos. A idade muda-nos muito, muda o estilo de representação também. Olho para alguns papéis e penso que foi demasiado cedo para interpretá-los. Ainda não sabia o suficiente da vida. Só agora percebo que é preciso viver as relações e o seu desgaste e nuances para poder interpretar personagens densos. Esta aprendizagem leva tempo..Sente que, num mundo onde existem tantos desequilíbrios, a arte deveria ter um papel interventivo?.Eu acho que, acima de tudo, a arte tem de ser livre. Não é preciso aplicar-lhe um cunho interventivo ou de entretenimento, por exemplo. Tenho algumas reservas em relação ao teatro panfletário. Gosto mais quando me levam para um universo em que realmente tenho de pensar sobre uma ou outra questão em que não tinha pensado até então..Então prefere um teatro mais emocional, em que explora o espetro de emoções possível a cada ser humano?.Sim, sem dúvida..Se não fosse ator.......acho que faria projetos de jardins interiores. Não sou nada mau nisso. Gosto muito. O verde e a natureza sempre me inspiraram muita calma. Não sou das pessoas mais serenas do mundo e a natureza ajuda-me mesmo a relaxar..Mas a representação não tem também um lado terapêutico?.Para mim, sim. É catártico, é terapia e é muito empático. Coloca-me no papel do outro e ajuda-me a compreender certas emoções. E a julgar menos, também..Nesta altura da carreira, pensa fazer a transição para a cadeira de realizador e dar vida a um projeto com a sua visão ou prefere estar nas mãos do outro e confiar nessa direção?.Gosto de estar na mão de alguém e confiar nessa visão. Tenho vindo a ganhar curiosidade por esse outro lado. Acho que tenho curiosidade mas não tenho a serenidade para assumir esse papel..É dos poucos atores que nunca fizeram novela. Porquê?.É um processo que me cansaria muito, confesso. Nove meses a trabalhar na mesma coisa. Tento encontrar projetos que não durem tanto tempo. Não gosto de fechar portas, "nunca digas nunca", mas gosto mais de fazer personagens com outro nível de complexidade. Agora, as novelas enfrentam um desafio maior que é a quantidade de séries com muita qualidade que estão a ser produzidas a um ritmo alucinante. Nós vamos ter de nos posicionar nesse campo. Neste ano demos um salto considerável com a série Sara, que está já noutro campeonato. Ao lado de outro conteúdo do Netflix, o Sara não fica atrás. Interessa-me mais esse lado..Por falar em séries, há uma em que participou que ainda hoje é lembrada com muito carinho..O Fura-Vidas?.Sim, essa mesmo. Ainda é reconhecido na rua por causa do seu Joca. Uma série como esta já não faria sentido hoje, pois não?.É uma série muito ingénua, foi feita num Portugal que já não existe. O Portugal do safanço, do desenrasca. Acho que já passámos essa fase, estaria um pouco datada. A única vez que me senti uma estrela rock foi em Chelas na altura do Fura-Vidas. Era a loucura. Nunca na vida tive aquele nível de excitação à minha volta..O que acha do "politicamente correto" instalado nas artes? Necessidade ou exagero?.A liberdade de expressão não pode ser a última coca-cola do deserto. Não tenho o direito de insultar ou difamar o outro. Na arte, há um espaço grande para se explorar o que está ou não errado. Onde acho que há exagero? Por exemplo, em Inglaterra, já não se dizer actors e actresses. São todos actors. É muito estranho porque o teu género influencia a tua condição. Existe uma tensão no ar em que todos os atos são medidos e não se pode tocar no joelho, mas sinceramente, eu prefiro passar por este momento a retroceder 50 anos, em que te tocava no joelho e tu não podias dizer nada..É muito reservado em relação à vida pessoal. É uma escolha consciente para que o vejam apenas como o Ivo ator?.Gosto do reconhecimento do meu trabalho. Isso é fantástico, fico contente. Agora, não preciso nem quero partilhar esse lado. Adoro andar na rua sem ninguém me reconhecer. Dá-me uma liberdade imensa. Gosto muito de observar as pessoas, perceber como se comportam e, para isso, o anonimato é importante. Mas também sei que "quem não aparece esquece", que temos de aparecer um bocadinho. Faço essa dança para estar presente quando tenho algum projeto..Hoje, grande parte dos atores já não são só atores, são marcas. O que acha desta onda em que a pessoa se torna o próprio produto?.Estou fascinado com este you are a thing. Influencia-nos a todos. É o tal contágio social. Estamos a viver de likes, quantos likes, não tenho likes suficientes. É incrível como estamos a viver para partilhar coisas e não a partilhar o que vivemos. Claro que é preocupante. É uma busca constante de autoestima. Eu sei que quando tiro uma selfie não estou bem, algo se passa comigo, preciso de validação..Ao longo da sua carreira, recebeu alguns prémios. São um bálsamo para o ego ou são desnecessários para o percurso de qualquer ator?.Para mim, foi necessário. Foi uma validação. Às vezes estás tão focado no trabalho em si que ficas completamente fora da realidade, sem perceber se o mesmo tem qualidade ou não, se está a ser recebido pelo público. Para mim, foi sempre uma surpresa do género "uau, estavam a ver? Não fazia ideia". Acima de tudo, gosto muito quando os meus colegas, malta que admiro, são gentis com o que eu faço..Como lida com a imagem de galã, de sex symbol?.Não lido. Acho imensa piada a essas listas, a minha tia está sempre a dizer-me que vota muito em mim. Mas essa coisa do sex symbol já não cola comigo.