A tia Odete leva a sua tralha pelos jardins de Lisboa
"Alfredooooo! Alfreeeeeedo!" Odete aproxima-se. Com a sombrinha aberta, para se proteger do sol. Turbante na cabeça, brincos de mola, enormes, nas orelhas. Os lábios vermelhos, os óculos escuros, malinha branca enfiada no braço. "O Alfredo desapareceu, passou por aqui?", pergunta à miudagem que está sentada à sombra, sentada numas mantas no Bairro das Estacas, ao lado do Teatro Maria Matos, em Lisboa. O Alfredo foi fazer xixi e nunca mais voltou, talvez esteja farto de aturar a mulher, esta Odete que quis sair de casa bem cedo para ir assistir à prova da sobrinha, Manuela, na Batalha, mas depois de tantas trapalhadas acabou por perder a chegada à meta. Ora vejam lá o que aconteceu.
Muita Tralha Pouca Tralha - A viagem de ida para a grande corrida é um espetáculo de Catarina Requeijo que é uma espécie de sequela de outro espetáculo, A Grande Corrida. Em A Grande Corrida, Catarina interpretava Manuela, uma ás no volante, que participava em corridas de carros. O texto foi escrito por Catarina Requeijo e Inês Barahona e surgiu logo a ideia de usar a repetição e a rima. "A rima obriga-nos a escolher umas palavras que às vezes não são as que fazem mais sentido para contar a história, cria um aspeto insólito no texto, não é a solução mais fácil e às vezes até é uma solução disparatada", explica a atriz. "Hoje já há poucas histórias em rima, mas a rima é importante para dominar bem a língua."
Em A Grande Corrida, a certa altura, a Manuela telefona a uma tia mas depois não consegue perceber nada do que ela diz. É esse telefonema que faz a relação com este novo espetáculo. Aqui, estamos do lado da tia, que tenta desesperadamente chegar a tempo e horas da corrida para puxar pela sobrinha - "A primeira palavra que disse foi motor. Espirrava e fazia atchiiiimespelho retrovisor", conta a tia Odete, orgulhosa. Tal como n"A Grande Corrida, o texto é de Catarina Requeijo e Inês Barahona, e a conceção plástica é de Maria João Castelo, com a "utilização de objetos em multifunções, de uma forma mais simbólica".
E há muitos objetos em cena, porque Odete acha que precisa de levar muita coisa nesta viagem. Um tacho de feijoada para quando tiver fome, um rádio para ouvir o relato da corrida, uma gaveta para servir de banco, o candeeiro da sala para alguma coisa que faça falta. O Alfredo, sempre cheio de medo, começa logo a implicar com a quantidade de bagagem - ele chama-lhe tralha - e a situação piora quando têm de mudar de transporte devido a avarias várias, do automóvel para a carrinha de caixa aberta, para o autocarro, para a moto e por fim a pé. Sempre com a tralha atrás. Um rádio, uma muleta, uma mala, outra mala, a caixa do correio, um vestido chique, uma toalha de piquenique, um estendal, uma almofada de veludo...
A enumeração, a repetição e a acumulação são estratégias pa-ra cativar a atenção dos miúdos. Catarina Requeijo, que tem já muita experiência a trabalhar com os mais novos, seja a fazer teatro, a contar histórias ou a dar-lhes aulas, sabe disso. Susana Menezes, responsável pela programação dos mais novos no Maria Matos, pediu-lhe "um espetáculo robusto, todo-o-terreno, capaz de aguentar qualquer ambiente, seja ao ar livre ou em sala" e Catarina Requeijo tenciona levar a sua tralha a parques e jardins de todo o país. É que, ao contrário da tralha de Odete, este espetáculo leva-se facilmente no porta-malas de um carro. Isto, claro, depois das apresentações incluídas nas Festas de Lisboa este mês: este fim de semana no Jardim do Bairro das Estacas, em Alvalade; nos dias 17 e 18 no Jardim da Cerca da Graça; e nos dias 24 e 25 no Parque da Quinta das Conchas.
Muita Tralha Pouca Tralha
De Catarina Requeijo
Jardim do Bairro das Estacas, Lisboa
Sábado e domingo, 17.30
Entrada livre