Ficou na história como um dos momentos de maior contestação social no pós-revolução: O bloqueio da Ponte 25 de Abril, em 24 de junho de 1994, foi considerado o início do fim do governo PSD, um episódio que Cavaco Silva recorda agora em entrevista à TSF, onde admite que o acontecimento "deixou uma marca na popularidade do próprio Governo". No entanto, Cavaco, que na altura era primeiro-ministro, garante que o seu executivo "nunca perdeu o controlo da situação" e que na parte da tarde "já estava reposto o trânsito normal", uma versão de que reportagens desse dia desmentem.. Primeiro-ministro, Presidente da República, ministro das Finanças, deputado, Cavaco Silva é o político português que mais tempo ocupou cargos de poder em Democracia. Um período que revisita a propósito dos 31 anos da TSF, a quem conta pormenores sobre a sua relação com o governo de Passos Coelho durante o período da troika - "Eu discordei, de facto, de várias medidas que a 'troika' impôs, e que o Governo aceitou" -, com os jornalistas - "A comunicação social nunca gostou muito de mim, ou quase nada, porque eu tinha determinados princípios, que não afastava no relacionamento com a comunicação social. (...) Nunca atendi uma chamada telefónica de um jornalista, nem nunca telefonei a um jornalista" - ou sobre esse dia de 1994 que marcou a reta final da sua governação.. Ausente do país, a participar num Conselho Europeu na Grécia, Cavaco acompanhou os protestos na Ponte 25 de Abril à distância. A 24 de junho, os automobilistas bloquearam de madrugada os acessos à zona do tabuleiro da ponte em protesto contra o aumento de 50% do custo das portagens, anunciado dias depois das eleições europeias. Na linha da frente estiveram camionistas, a quem se juntaram milhares de pessoas durante o dia.."Eu recebi uma chamada telefónica pela manhã, do Dr. Fernando Nogueira [que acumulava as pastas da Defesa e da Presidência], que me disse que às 6.30 da manhã, camiões tinham bloqueado a Ponte 25 de Abril", recorda Cavaco Silva. "O que lhe disse foi que fizesse tudo o possível para desobstruir, repor a legalidade, a normalidade do trânsito, mas que se evitassem confrontos e a utilização da força. Eu acompanhei por telefone todo esse problema complicado, muito complicado".. O governo estuda soluções para retirar os camiões que servem de tampão ao trânsito e equaciona trazer uma grua do Exército, que estava em Santa Margarida e levava quatro horas a chegar a Lisboa. "Depois, recebi a boa notícia que mecânicos da GNR tinham conseguido pôr os camiões a trabalhar, e conseguiram desimpedir, mas foi um momento, de facto, de grande tensão".. Mas apesar disso, Cavaco garante que "o Governo nunca perdeu o controlo da situação, na parte da tarde já estava reposto o trânsito normal". Afirmações que a cronologia dos factos não confirma. A reportagem emitida pela RTP nesse dia, que faz parte dos arquivos da televisão pública, relata a primeira carga do batalhão especial da Guarda Republicana sobre os manifestantes às 16.22. Veem-se imagens de uma "chuva de pedras" sobre a polícia, fugas desordenadas, feridos, fogueiras ateadas na estrada.. Depois das seis da tarde era ainda relatado um incêndio na zona, que continuava a parecer o palco de uma batalha campal. As filas de carros provocadas pelo bloqueio chegaram perto de Setúbal, a cerca de 40 quilómetros da ponte. Os camiões começaram a ser retirados apenas após as cargas policias, numa operação demorada, e a jornalista da RTP informava no final do seu trabalho que o trânsito "começou a escoar aos poucos ao final da tarde" e apenas por uma via que os camionistas tinham deixado livre para casos urgentes..Imagens noturnas de uma segunda reportagem da RTP sobre os acontecimentos da ponte, emitida em 2007, mostram uma fila ainda a perder de vista e o trânsito a avançar em marcha lenta apenas pela via mais à direita. No resto da praça das portagens, desocupada de automóveis, continuavam intervenções policiais e protestos, como o de um grupo de motociclistas.