Uma jornalista de investigação, frustrada com as limitações do seu trabalho, conhece um inspetor de crime económico da Polícia Judiciária, frustrado com a estratégia dos seus chefes. Há ainda um primeiro-ministro, deslumbrado com o poder económico e hábil tático. Banqueiros, agentes secretos, políticos que se mudaram para grandes empresas. E por fim um homem de negócios, advogado de offshores, arrivista sem passado, nem escrúpulos, que se move à vontade entre acionistas de bancos e corredores da residência oficial do primeiro-ministro. Estas são as personagens que se movem em Teorias da Conspiração, a série de 12 episódios que a RTP1 estreia nesta sexta-feira (às 22.30) e que faz um retrato - ficcionado mas muito real - dos bastidores do poder no Portugal contemporâneo..Produzida por Leonel Vieira e realizada por Manuel Pureza, a série é de autoria do jornalista Paulo Pena, grande repórter do DN, e de Artur Ribeiro. No elenco, encontramos nomes como Carla Maciel, Rúben Gomes, Gonçalo Waddington, Rita Loureiro, Dinarte Branco, Rui Morrison, Pedro Carmo, André Gago, João Vicente e muitos outros..O slogan que o canal está a usar na promoção resume bem o espírito da série: "Podia ser verdade mas é tudo ficção." O jornalista Paulo Pena conta que a ideia lhe surgiu durante a comissão parlamentar de inquérito ao BES, que acompanhou diariamente para o Público. "Eu tinha escrito um livro, que saiu no início de 2014, Jogos de Poder, sobre a crise, em que procurava descrever a relação próxima entre a cultura empresarial dominante da economia - centrada na banca e no setor financeiro - e a política", lembra o jornalista. Mas durante a comissão do BES foi pensando numa forma mais clara de refletir sobre isso. "Ajudou muito que, nessa altura, a RTP 2 transmitisse uma série dinamarquesa, Borgen, que mostrava a forma como agem os políticos - que são personagens que vemos todos os dias em ação (mediática), mas de que desconhecemos o lado decisivo, o da tomada de decisões. Esse lado é muitas vezes rico, narrativamente: o isolamento, a solidão, a reação brusca, o erro, a negociação, a pressão da influência.".Em 2015 falou desta ideia a dois amigos, João Paulo Vieira e Ricardo Fonseca, da produtora audiovisual B Creative, e decidiram avançar com o projeto: "Queríamos fazer uma série política, tentando relatar, umas vezes, e imaginar, noutras, como tínhamos chegado ao ponto onde estávamos - a crise financeira, o resgate, a troika.".É claro que foi muito difícil começar, admite Paulo Pena: "Nunca escrevi ficção e não sabia muito sobre as particularidades da escrita de guiões para uma série televisiva. Passei semanas a aprender o 'arco narrativo'. Tinha claro, porém, que a escrita jornalística, que é a que conheço, me iria sempre constranger. Por isso, logo no final do verão, sugeri aos produtores que criássemos uma equipa de argumentistas." Artur Ribeiro, que chegou à equipa inicialmente como um script doctor, acabou por dar um contributo de coautoria..A ideia era ambiciosa, explica Pena: "Partíamos de uma análise - o que se passou foi a repetição de uma mesma história. Ou seja, todos os casos que na altura conhecíamos pareciam ter um ponto de semelhança: uma cultura empresarial que valorizava o risco, a ambição, o curto prazo - e muito pouco a criação de riqueza permanente - que contagiou a política - deslumbrada com a suposta eficácia e imaginação da elite económica; e acima de tudo um traço de promiscuidade entre o mundo da política e da economia, com os seus ex-ministros transformados em administradores, os telefonemas a pedir favores, a retribuição desses favores.".De qualquer maneira, era claro para toda a equipa que, apesar de inspirada na realidade portuguesa, esta seria uma história de ficção. "Há na série, como é óbvio, pedaços de realidade, ligações conhecidas entre personagens reais, comportamentos identificáveis. A série é inspirada numa realidade concreta, a da nossa crise. Mas toda a narrativa é ficcionada: a forma como a realidade é agrupada, colada, ligada, não é a que aconteceu. É a que nos parece interessante que tenha acontecido", explica o autor, concluindo: "Queríamos descrever, numa ficção, o pequeno núcleo de decisores envolvidos num erro trágico (económico e político) que nos levou a uma crise. Até porque os casos que conhecíamos então foram crescendo e acrescentando realidades que nem os melhores ficcionistas terão imaginado...".Apesar de estar a experimentar a ficção, Paulo Pena nunca deixou de lado o seu olhar jornalístico e trouxe para a história alguns temas que o preocupam, explica, como "o papel do jornalismo na sociedade, a importância do tempo longo numa época em que a informação é imediata e ao segundo, a forma como a justiça funciona, a forma um pouco cética como encaramos os casos, a riqueza que muitas vezes ignoramos nos vilões (um vigarista pode ser um culto; um assassino pode ser uma vítima), as fraquezas que ignoramos nos heróis (uma boa pessoa pode errar), a fragilidade da política, que é sempre um alvo fácil". Por isso, conclui, "a série não é um docudrama, é uma ficção. A preocupação principal foi mesmo essa: poder explicar melhor um tempo que vivemos através de uma história criada com esse propósito".