A ressurreição de EPC

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Um ano depois de uma morte muito anunciada, Eduardo Prado Coelho (EPC) regressa às livrarias com uma caixa onde se encaixam os seus dois volumes intitulados Tudo o que não escrevi numa primeira ressurreição da obra e do autor. São textos de um diário que começa a 12 de Setembro de 1991, escrito em Paris, e termina a 25 de Julho do ano seguinte. Pelo meio ficam quase oitocentas páginas de confissões, polémicas, desmandos e provocações e um quase retrato – porque não o pretendia ser – de uma época e de um pensar. Porque, como escreveu Eduardo Lourenço a propósito do seu desaparecimento, EPC era “o actor mais disponível, mediático e plural da cena portuguesa da sua geração e do nosso tempo”.


Tirando algum do exagero do elogio fúnebre do pensador heterodoxo, não deixa de ter certa razão no que diz porque escasseiam no território cronistas da realidade que tenham dentro de si próprios espaço para o conhecimento acumulado, o estômago para o debate e o dote para o executar através da escrita para se exporem à inveja do mediano espaço intelectual nacional. Mesmo que tenha andado tresmalhado por idiossincrasias filosóficas e apadrinhado situações políticas que vão desde a legião de revolucionários feitos à pressa para engrossarem as células do PCP a seguir à revolução, aos fascinados pelo socialismo do  PS e pela miragem de um cavaquismo progressista.


Por tudo isto e por tanto mais, Eduardo Prado Coelho transformou-se alguns anos depois desta diarística baseada na sua vivência parisiense como conselheiro cultural na Embaixada lusitana num diarista impresso em coluna de jornal que muitos liam antes de reparar no que existia nas outras páginas. Não seria por acaso que assim se fazia e a génese desse despertar mágico pelo que EPC escrevia e dizia todos os dias está bem presente nestes dois volumes onde (vol. 1) fala dos “nossos heróis e os deles” quando se refere ao fim da União Soviética e se socorre de Régis Debray; quando se refere às dissidências do PCP e se socorre de uma carta aberta de Mário de Carvalho; quando recorda a iniciação sexual e se socorre da criada; quando valoriza Pessoa e se socorre da declamação de Luis Miguel Cintra em contraponto à crítica de J. Gaspar Simões; quando (vol. 2) descreve o prazer de estar num bar da Foz e se socorre da passagem dum eléctrico estridente; quando relembra  Vergílio Ferreira e se socorre do Brasil...


Estes diários começam com a seguinte frase: “Pensava-o imortal” e terminam com uma ida ao urinol... E vale a pena lê-los para não se perder a memória de outros tempos.

4/5
Tudo o que não escrevi
VOLUME 1 & 2
EDUARDO PRADO COELHO
ASA

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