A resposta errada ao problema certo

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As recentes declarações de Berlusconi, líder do partido Força Itália, causaram um imediato aumento da perceção de risco dos mercados sobre a dívida pública italiana. Berlusconi, que se encontra a preparar uma grande coligação de direita para governar a Itália depois das eleições de maio de 2018, propôs a entrada em circulação no seu país de uma segunda moeda, em paralelo com o euro. A ideia não é nova. Varoufakis lançou-a no auge do choque do governo do Syriza com o diretório europeu, em 2015. Outro partido da direita transalpina, a Liga Norte, tem proposto algo de semelhante para os pagamentos do Estado aos seus credores domésticos. Rapidamente, vozes da Comissão Europeia repudiaram a proposta, recordando que a ideia do ex-primeiro-ministro italiano é totalmente incompatível com as regras do euro, vertidas no Tratado de Funcionamento da União Europeia. Se é verdade que a razão legal assiste à CE, não é menos verdadeiro que as palavras de Berlusconi procuram responder, com a ligeireza que lhe é habitual, ao sentimento partilhado por praticamente dois terços dos eleitores italianos. Desde a adesão ao euro, a economia italiana tem conhecido um crescimento nulo, que se traduziu num aumento da dívida pública (ligeiramente acima da portuguesa) e em níveis de desemprego elevado (11% no geral, e 35% para o desemprego jovem), acrescendo ainda uma situação perigosamente lastimável da banca, como sempre sucede em situações de crescimento zero. Estamos a falar da quarta economia da zona euro (ZE), com um PIB de 1,67 biliões de euros em 2016 (mais de metade do PIB alemão, que se cifrou em 3,1 biliões).

Berlusconi esconde aos seus eleitores que aceitou as regras desastrosas da União Económica e Monetária (UEM), nas quatro vezes em que presidiu ao governo italiano entre 1994 e 2011. Mas isso não afasta o problema real que constitui a causa estrutural da crise da ZE. Desde 2009 até hoje, e apesar dos novos tratados e mecanismos introduzidos (MEE, Tratado Orçamental, união bancária...), nada de substancial mudou na disfuncional arquitetura do euro. A UEM continua a ser uma união imperfeita, assimétrica e desigual. A perda da soberania monetária e cambial dos Estados, em favor do BCE, não foi acompanhada pelos indispensáveis mecanismos de compensação. Tal como em 2002, o euro favorece apenas os setores e os países com maior capacidade exportadora, com a Alemanha à cabeça, sem dar nada em troca aos países com uma estrutura económica mais frágil e voltada para os seus mercados internos. Sem reformas profundas da ZE, os países periféricos do Sul e Leste europeu acabarão por ter de escolher entre o risco colossal de restaurar a sua moeda, para poderem efetuar desvalorizações competitivas, ou continuar pelo atual calvário da "desvalorização interna" (desemprego elevado, emigração da juventude, contração demográfica, pobreza e conflitualidade social).

A ausência de acordo entre os vencedores e os perdedores da atual configuração do euro esconde e afasta cada vez mais a única saída que poderia salvar o projeto europeu, que é a da união política. Bastará que o BCE interrompa a sua atual política de financiamento monetário limitado da economia para que todos percebam que o maior risco existencial europeu reside na insanidade incompetente das suas políticas. Se não arrepiarmos caminho, a próxima tragédia europeia não começará com tiros em Sarajevo, mas talvez com o tsunami financeiro resultante de Roma retomar, mesmo timidamente, a sua soberania monetária criando uma lira de trazer por casa.

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