"Responsabilidade é de quem se comprometeu com aquilo que não podia"
Luís Montenegro garante que o PSD nunca iria buscar uma equipa de gestão com este perfil e por este preço para a Caixa. Concorda com os ordenados na CGD?
Hoje, a minha principal atividade profissional é a de caça-cabeças (headhunter) e tenho consciência de que era possível conseguir pessoas igualmente capazes por salários mais normais. Há gente "escondida" de enorme valor. Dito isto, compreendo que António Domingues, do seu ponto de vista estritamente pessoal, diga que aceita uma função de muito maior responsabilidade desde que não vá ganhar menos do que aquilo que estava a ganhar numa outra de menor complexidade.
Mas um salário de mais de meio milhão de euros, com a componente variável, não é de mais num país como o nosso?
É, e de que maneira. Mas esse não é um problema de António Domingues, é um problema ligado à situação de pré-falência que o capitalismo está a viver. Como é possível pagar-se - e fundamentalmente ter pago - salários de dimensão obscena a gestores de um setor pessimamente gerido durante anos? Um setor levado à falência, que sugou biliões ao Estado. É uma irracionalidade contrária à lógica do capitalismo, do mercado e, acima de tudo, da própria democracia.
E como vê a dispensa do estatuto de gestor público aos administradores do banco?
Acho que todos os gestores bancários são gestores públicos, porque a banca dita privada, quando treme, vem buscar os nossos impostos. Ou não é assim? Se o governante for incompetente, gasta mal os impostos que eu paguei. Se o gestor da banca privada for incompetente, pode levar-me, num ápice, as poupanças de uma vida. O que é que acha pior?
António Domingues não podia ter estancado a polémica entregando a declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional?
Tanto quanto percebo, ele não quer esconder a declaração, até porque já a entregou a outras entidades legais. O que ele rejeita é ver a sua declaração a passear pelas páginas da comunicação social para alimentar a venda de jornais. Se, ab initio, pôs a condição de não haver devassa pública do seu património e se ela lhe foi garantida, compreendo o seu desconforto.
Esta polémica não prejudica o banco, que se encontra numa fase delicada?
Claro que prejudica. Acima de tudo não permite que a nova administração possa estar tranquila e concentrada naquilo que tem urgentemente de fazer.
E de quem é a responsabilidade? Da administração, que exigiu o que não devia exigir, ou do governo, que lhe concedeu essa benesse?
Se a lei efetivamente não o permite, é óbvio que a responsabilidade está do lado do governo. Do lado de quem se comprometeu com o que não podia.
NOTA: Por sugestão de Rui Rio, aceite pelo Diário de Notícias, esta entrevista foi feita primeiro por escrito. Enviadas as perguntas, recebidas as respostas, a entrevista foi posteriormente consolidada com uma conversa presencial.