"A República é quase uma conquista civilizacional"
Numa época em que as monarquias coexistem na sua grande maioria com regras constitucionais e instituições republicanas, o conflito entre republicanos e monárquicos portugueses é quase residual.
"Os republicanos democráticos coexistem muito bem com as monarquias constitucionais, tal como acredito que os monárquicos democratas coexistem perfeitamente numa república assente nos princípios do pluralismo democrático", diz ao DN o deputado Jorge Lacão (PS), vice-presidente do Parlamento.
A queda da Monarquia portuguesa há 106 anos deu-se após anos de forte tensão entre os adeptos desse regime e os republicanos, cujo ponto alto foi atingido com o assassinato do rei D. Carlos, em 1908. Mas a crescente implantação dos valores democráticos, retirando poderes políticos aos monarcas, transformou-os em figuras simbólicas e representativas da identidade nacional - que é o argumento invocado pelos monárquicos nacionais, ao dizerem que só o rei, estando acima das disputas ideológicas e partidárias, é o verdadeiro representante do povo.
Jorge Lacão tem outra perspetiva: "Há uma espécie de ambivalência nas monarquias constitucionais republicanas porque, se elas são quanto à forma monárquicas, são quanto à efetividade do sistema repúblicas. Na prática, tudo se passa num quadro democrático com a afirmação da soberania popular, o que é completamente diferente do velho princípio de que a soberania residia no monarca." Acresce que "muitos dos erros praticados por um sistema político da primeira Constituição republicana foram evitados com a atual ordem constitucional", desde logo as "crises e impasses políticos sucessivos" resultantes do "excesso de uma lógica parlamentarista sem moderação suficiente por parte do Presidente da República".
António Filipe (PCP) mostra-se quase incrédulo, quando colocado perante a questão do orgulho em ser republicano. Depois exclama: "A República é quase uma conquista civilizacional", onde "todos os cargos são eletivos e não faz qualquer sentido que se nasça chefe do Estado e se exerça o cargo por nascimento."
João Soares, que há semanas deixou de ser ministro por usar "uma metáfora" - dar "um par de bofetadas" em adversários políticos - que na I República era comum ser lida à letra, assume sem complexos a admiração por esse tempo e por figuras como Afonso Costa, que em 1906 afirmou na Câmara dos Deputados: "Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XVI!"
"Tenho os valores republicanos no meu código genético e, ao contrário da esmagadora maioria da esquerda, sempre tive fascínio e admiração pela I República, que resultou da revolução do 5 de Outubro e das tentativas que a antecederam", enfatiza. Para esse deputado do PS, "aquilo a que alguns chamam ética republicana é algo que, de forma geral, se pode considerar que foi posta em prática na I República face ao que tem sido agora na III República. Não há tipos que tenham feito grandes fortunas na I República, faziam uma vida simples e austera, andavam de carro elétrico...."