A Rainha
Entre os milhares de fotografias do arquivo do DN, há uma de 1957 que se destaca pela elegância das personagens, também pelo simbolismo de mostrar a monarca britânica a desembarcar em Lisboa, capital de um Portugal aliado do seu país desde o século XIV. Isabel II tinha então 30 anos e a recebê-la no Cais das Colunas está o Presidente Craveiro Lopes, um marechal, de chapéu bicórneo. O príncipe Filipe, no seu uniforme de oficial da Marinha, também consta, e o Tejo surge pejado de embarcações, incluindo o iate real Britannia. Desde que em 1992 comecei aqui a trabalhar, e a ouvir todo o tipo de histórias sobre um jornal fundado no século XIX, essa fotografia foi tema de conversa constante, e republicada sempre que a ocasião justificava. Mas curioso mesmo é que para a referirmos basta dizer a foto da Rainha em Lisboa. Sim, simplesmente da Rainha, não da rainha de Inglaterra ou da rainha Isabel II.
É verdade que as monarquias escasseiam hoje no mundo, mas mesmo na Europa há ainda algumas rainhas. E, no entanto, Isabel II é, era, a Rainha. Para os britânicos e resto dos seus súbditos mundo fora, do Canadá à Austrália, mas também para os portugueses e muitos outros povos. Claro que o peso histórico do Império Britânico, que ainda existia quando ela foi coroada, conta muito nesta proeminência, mas é indesmentível que a própria personalidade da rainha Isabel II explica boa parte dessa popularidade além-fronteiras. Mesmo um republicano não pode deixar de notar a dignidade daquela mulher. E a serenidade.
O republicanismo tem fraca expressão no Reino Unido, tirando o caso da Irlanda do Norte. Mesmo os independentistas escoceses nunca deixaram de sublinhar que Isabel II seria a rainha caso o referendo de 2014 tivesse desfeito a união vinda do século XVIII. Aliás, é enorme a ligação dos Windsor à Escócia e foi em Balmoral, a sua residência escocesa, que a monarca ontem morreu, com 96 anos. Creditar-se Isabel II pela solidez da instituição monárquica é em certa medida justo - leia-se as biografias várias ou veja-se a série The Crown, mesmo com a dose de ficção - mas será redutor resumir o legado de uma dinastia, de uma sucessão de dinastias, a uma pessoa.
Carlos, o quase eterno príncipe Carlos, agora rei, merece ter o seu espaço, para impor a sua marca. O maior desafio será a Commonwealth. A mãe, nos bastidores, muito lhe terá ensinado, seja a lidar com primeiros-ministros - foram 15 no seu reinado de sete décadas -, seja a relacionar-se com um povo que na esmagadora maioria nunca conheceu outro monarca. E William, ou Guilherme como se deveria dizer por respeito à tradição dos nomes reais, passa a ser o herdeiro do trono, o novo príncipe de Gales.
Nascida sem grandes perspetivas de ser rainha, foi a abdicação do tio Eduardo VIII em 1936 que pôs nesse caminho uma Lilibet de apenas dez anos, filha mais velha de Jorge VI, o inesperado novo rei. Mas se a preparação para ser monarca começou tarde, tal não se notou, diga-se. Deixa muita saudade esta Rainha, aos seus súbditos, mas muito além disso.