A prisioneira 78 561
Do percurso político de Simone Veil - nascida Jacob e às vezes confundida com outra grande figura da intelectualidade judaica gaulesa, Simone Weil (1909-1943) - destacaria duas proezas. A primeira foi a de ter conseguido fazer da França o primeiro país de maioria católica a aprovar uma lei de despenalização do aborto, centrada no respeito pelos direitos da mulher. Foi em 1975, na condição de ministra da Saúde de um governo chefiado por Jacques Chirac, sendo Giscard D"Estaing presidente. A extrema-direita dos costumes escolheu-a, violentamente, como alvo. A segunda singularidade foi a de ter sido a primeira presidente eleita do Parlamento Europeu (1979-1982). Nesses dois momentos altos destaca-se a sua inteligência e independência de espírito. Na sua biografia de 2007, Uma Vida (em 2008, na edição portuguesa, da Ed. Livros de Seda), percebemos como a sua entrega à causa europeia foi vivida com uma autenticidade pessoal, sem paralelo noutros estadistas europeus. Simone Veil passou pelo calvário dos campos de extermínio nazis, tatuada com o número 78 561. Os seus pais e o seu irmão foram assassinados. Simone Veil faz parte dos sobreviventes judeus que ficaram na Europa, que não emigraram para Israel ou para os EUA. Para ela, a construção europeia, que parecia ter neutralizado para sempre os agentes contagiosos do nacionalismo viral e do racismo, dava sentido ao sofrimento da sua vida e redimia a culpa europeia do século XX, libertando a UE para a possibilidade de um futuro libertador. Outras grandes figuras judaicas ajudaram a sarar as feridas europeias, em particular os ódios entre a França e a Alemanha: Alfred Grosser, Joseph Rovan, Stanley Hoffmann. Mas ninguém soube melhor do que Simone Veil fazer da vitória sobre o ressentimento e a vulgaridade uma maneira de restituir à política a nobreza e a grandeza que lhe são matriciais.